Cerca de seis milhões e meio de jovens inscritos nos principais vestibulares no país preparam-se para prestar a prova mais importante de suas vidas. Apesar dos complicados usos de fórmulas químicas, aplicações de física mecânica e conhecimento do contexto sócio-político mundial, os vestibulares trazem também uma experiência que tem tudo para ser leve e prazerosa: as leituras dos clássicos da literatura.
Ler romances antigos com linguagem rebuscada é hoje muito mais fácil do que já foi um dia. A editora Panda Books publica reedições de obras que sempre caem nas provas, como Memórias Póstumas de Brás Cubas, Iracema e O Cortiço, com uma estrutura pensada para facilitar a vida do leitor e da leitora. Essas edições trazem o texto original com comentários em linguagem jovem e descolada, que fazem uma espécie de “tradução” das expressões mais antigas e rebuscadas. Vem também um resumo do contexto cultural da época em que a obra foi publicada e um mapa de personagens super bacana.
Para entender um pouco mais sobre a importância desses clássicos na formação dos jovens, e as tentativas de facilitar essas leituras, conversamos com Fátima Mesquita, autora dos comentários e análises nas reedições da Panda Books, e Mei Hua, professora de Língua Portuguesa na Faculdade Cásper Líbero.
“Um clássicão tem o poder de provocar o leitor a pensar como a vida foi um dia”, diz Fátima. Mei complementa: “Muitas vezes, por meio desses personagens ou situações fictícias, temos acesso a um pouco de como era a realidade e o imaginário popular na época. É um estudo, um resgate de um momento histórico muito particular”.
Um dos pontos de maior incômodo aos jovens leitores de clássicos são as descrições, muitas vezes longas e “demoradas”. Apesar de entender de onde vêm essas críticas, Mei as justifica: “Na época em que esses livros foram publicados, não havia televisão e cinema, então a escrita era uma das poucas formas de se retratar ‘visualmente’ o mundo”.
As novas leituras obrigatórias
Além dos clássicos romances do século XIX, novas e mais atuais leituras vêm sendo cobradas pelos vestibulares. Pelo segundo ano seguido, A Unicamp indica como leitura obrigatória o álbum Sobrevivendo no Inferno, do grupo de rap Racionais MC’s. “Tudo muda, mas temos uma essência: nos romanos, gregos, Dantes, Moliéres, Shakespeares, óperas, funk, rap, filmes, séries, novelas, mídias sociais, está tudo lá: amor, sexo, relações humanas, sensação de pertencimento, jogos de poder”, analisa Fátima.
Mei diz que essas novas obras são uma importante chancela para autores e autoras com menos oportunidades, a exemplo do livro Quarto de Despejo, de Carolina Maria de Jesus, que figura nas listas de leituras obrigatórias dos vestibulares da Unicamp e da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. A professora também faz uma diferenciação entre as obras clássicas e os “novos” textos: estes últimos discorrem sobre temáticas sociais vividas na pele pelos autores, ao contrário de romances consagrados que, apesar de tratarem dos mesmos temas, foram produzidos por membros da elite intelectual.