Mês da mulher: como é ser escritora no Brasil?

O inglês Ellis Bell (1818-1848) publicou em 1847 seu único romance: O morro dos ventos uivantes, obra relevante para além de seu tempo. Prova disso foram as inúmeras adaptações para o cinema e para a televisão em diferentes países durante o século XX – no Brasil tivemos uma novela homônima, e outra chamada Vendaval. Os irmãos de Ellis, Currer (1816-1855) e Acton (1820-1849), também foram escritores. Acontece que os três eram mulheres que utilizaram pseudônimos masculinos para publicar seus textos. Ellis se chamava Emily, Currer era Charlotte e Acton, Anne. O sobrenome real das irmãs era Brontë.

A utilização de nomes masculinos por escritoras aconteceu principalmente entre o século XIX e o início do XX. Aqui no Brasil, por exemplo, tivemos a pintora, pianista, cantora, atriz e cartunista Nair de Tefé (1886 – 1981), conhecida pelos seus trabalhos artísticos e por ter sido primeira-dama do país (era esposa do marechal Hermes da Fonseca). Ela publicava caricaturas nos jornais e assinava como Rian, seu nome escrito ao contrário. O pseudônimo também se assemelha ao som da palavra francesa rien, que significa “nada”.

Durante o século XX, romances conhecidos popularmente como “água com açúcar” foram tidos como único gênero aceitável para autoras mulheres. Algumas escritoras atuais optaram por publicar seus textos sem deixar o gênero claro, como J. K. Rowling, criadora da série Harry Potter.

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Josca Baroukh tem cinco livros publicados pela Panda Books. Foto: arquivo pessoal

Há exceções – autoras que conseguiram espaço sem deixar suas identidades de lado. “Clarice Lispector, Lygia Fagundes Telles e Marina Colasanti são muito lidas e citadas, e se tornaram expoentes da literatura nacional”, afirma Josca Ailine Baroukh, coautora de Ler antes de saber ler e outros quatro títulos para o público infantil publicados pela Panda Books.

Qual é o espaço que as mulheres têm hoje no meio editorial?

O Grupo de Estudos em Literatura Brasileira Contemporânea da Universidade de Brasília (UnB) pesquisou o perfil dos autores de livros nacionais publicados entre 1965 e 2014. De acordo com a pesquisa, no período de 2005 a 2014, 70,6% dos títulos foram escritos por homens.

Penélope Martins, autora de Aventuras de Pinóquio, fala sobre duas discussões importantes: existe a denominação “literatura feminina” para livros escritos por mulheres, da qual discorda. “Literatura é literatura, e pronto”, afirma a escritora; ela também aborda o termo “poetisa”, que, por causa da flexão de gênero, remete mais ao sentido romântico de musa inspiradora. Já com a palavra “poeta” isso não ocorre. “Repare bem que poeta termina com ‘a’, nem precisaríamos de esforço para entender como um substantivo sem gênero”, diz.

A escritora e ilustradora Clara Gavilan, de Me dá um abraço, retrata experiências conturbadas. Ela conta que ainda ouve homens dizendo frases como “Legal que você lançou o seu livrinho!” ou “Que fofinho!”. Clara questiona se receberia o mesmo tratamento caso fosse homem. “Não consigo imaginar alguém falando assim com Ziraldo ou Oliver Jeffers [autores e ilustradores de livros infantis]”.

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“Eu fui criada para estudar, buscar uma área de interesse, trabalhar e ter algum impacto sobre o mundo”, afirma Clara Gavilan. Foto: arquivo pessoal

Ao abordar a recepção de livros escritos por mulheres, Maísa Zakzuk, autora de Eu estou aqui, estranha haver diferenças nesse aspecto atualmente. “Ainda existe leitor que escolhe livro por gênero do autor?”, questiona. Josca possui opinião semelhante: “Uma vez que conseguem entrar no mercado, as autoras são bem recebidas, pois quem gosta de literatura, gosta de bons livros, independentemente do gênero do autor”.

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Maísa afirma que em um cenário ideal não precisaríamos discutir espaço por gênero. Foto: arquivo pessoal

A escritora Stella Florence, autora do romance Eu me possuo, tem opinião contrária à das colegas. Ela cita E.L. James (criadora da série 50 tons de cinza) e J.K. Rowling, que são atuais e esconderam seus gêneros no início das carreiras – Rowling publicou pela primeira vez em 1998, e James em 2015.

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Stella Florence explica que o mundo da literatura sofre os mesmos problemas com machismo que o restante da sociedade. Foto: arquivo pessoal.

Penélope olha para a diversidade de gêneros literários. De acordo com ela, nas literaturas infantil e juvenil há mais espaço para escritoras. “As funções na educação de crianças e jovens sempre foram garantidas às mulheres, o que não acontece no ensino superior, em geral”, diz. Segundo ela, nos livros considerados adultos a realidade é oposta. De acordo com a pesquisa da UnB, o perfil médio dos romancistas brasileiros é: homem branco, nascido no Rio de Janeiro ou em São Paulo e pertencente à classe média.

Entre o público leitor a realidade se inverte. A última edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, realizada em 2016 pela Fundação Pró-Livro, mostrou que 48% dos leitores do país são homens e 52%, mulheres.

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