“As pessoas sempre veem os indígenas como atrasados, mas não somos, nós temos uma cultura diferente. A literatura nativa faz com que a sociedade entenda melhor os índios”. O escritor guarani Olívio Jekupé se refere a livros sobre a cultura dos povos indígenas escritos por eles mesmos. São histórias que costumam ser transmitidas apenas oralmente entre seus membros.
A literatura nativa coloca o leitor em contato direto com a cultura e a visão indígena. Olívio escreve desde 1984, quando quase não havia autores nativos, e era difícil ter espaço para publicações. “As editoras gostavam de publicar livros de antropólogos, a gente não tinha muito acesso”, afirma. Diretora de projetos especiais da Panda Books, Tatiana Fulas explica que o cenário começou a mudar a partir da promulgação da lei nº 11.645, de 2008, que tornou obrigatório o ensino da cultura indígena e afro-brasileira na educação básica. “O que a lei ajudou a fomentar foi o protagonismo dos autores indígenas, dando-lhes a possibilidade de serem os narradores de suas próprias histórias”, complementa.
Em 2014, o jovem Werá Jeguaka Mirim, filho de Olívio, publicou pela Panda Books a primeira autobiografia de uma criança indígena, o livro Kunumi Guarani. O pai ajudou na tradução do texto, escrito originalmente em guarani — Werá ainda não dominava a língua portuguesa. “A ideia da obra era mostrar o cotidiano de uma criança indígena que morava próximo a uma região urbana, rompendo com a clássica representação dos índios isolados”, explica Tatiana. Eles vivem na aldeia Krukutu, na região de Parelheiros, Zona Sul de São Paulo.
Além de escritor, Werá também é rapper, conhecido na cena musical como Kunumi MC: “Foi difícil quando comecei a cantar, porque tem muito preconceito na cidade. Falam que o índio não pode cantar rap ou escrever música. Tem que viver na floresta, isolado”. Seu pai também retrata episódios de preconceito. Formado em filosofia pela USP e ex-professor de educação básica, ele conta que às vezes os alunos pesquisavam o que era ensinado em sala de aula, pois não confiavam no seu conhecimento. Atualmente, Olívio Jekupé escreve e é palestrante, mas ainda passa por problemas. “Nas palestras, as pessoas tomam susto, mas quando começo a apresentação, elas ficam impressionadas e me tratam bem”, diz.
Werá se mostra feliz com o desenvolvimento de seu trabalho. Ele conta que várias escolas adotam livros seus, e pessoas não indígenas ouvem os raps. “Hoje, conseguem ver melhor como é a nossa realidade aqui na aldeia indígena”.