A principal liga de futebol americano do mundo está comemorando o centenário da sua fundação. Também aconteceu uma celebração parecida em 2019. Paulo Mancha, autor de Os guerreiros da NFL (com Eduardo Zolin) e Touchdown!, explica que essa é uma pegadinha da matemática: “A fundação foi em 17 de setembro de 1920, ano do primeiro campeonato. Fazendo as contas, a temporada 2019 foi a centésima, então, a gente comemora duas vezes”.
Na década de 1990, Paulo estava desanimado com o futebol da bola redonda por episódios de corrupção e jogos com placar no 0 X 0. Foi quando a TV por assinatura chegou ao Brasil e ele descobriu o futebol americano. “Entendi que era muito mais parecido com xadrez, cheio de estratégias, do que só pancadaria”. Ele se apaixonou, começou a pesquisar mais sobre o esporte e hoje, além de autor, é comentarista da NFL.
Panda News – Como a liga está lidando com duas comemorações?
Paulo Mancha – Aconteceram várias celebrações no ano passado e muitas festas estavam previstas para 2020, o que não aconteceu por causa da pandemia. Mas eles estão transformando a cidade de Canton, no estado de Ohio, na meca do futebol americano. A NFL surgiu lá, em uma loja de carros, onde dirigentes dos times da época se reuniram para discutir a fundação. Hoje, nesse lugar, fica o Hall da Fama do esporte e há um museu dedicado a ele. Também fizeram uma Universidade do Futebol Americano, só para assuntos científicos ligados ao esporte; um hospital especial para jogadores tratarem lesões; e uma casa de repouso para atletas mais velhos que não têm dinheiro. Se você gosta de NFL, precisa visitar Canton pelo menos uma vez na vida. Eu já fui duas!
E sobre a pandemia?
Um caso muito interessante deste ano é o Laurent Duvernay-Tardif, do Kansas City Chiefs, atual campeão do Super Bowl. Ele é médico e costuma voltar ao Canadá, sua terra natal, para fazer residência nas intertemporadas. Como a NFL ofereceu aos jogadores a oportunidade de não jogar agora sem perder o contrato, o Laurent decidiu ficar em Quebec, na linha de frente contra a Covid-19. A mensagem dele foi: quem for só jogador de futebol americano deve jogar, porque cria um entretenimento necessário para a sociedade neste momento. Já ele é mais importante como médico.
O que você vê de mais curioso nesse centenário?
Há exatos cem anos, os Estados Unidos estavam passando pela pandemia de gripe espanhola, e a liga tinha questões relacionadas ao racismo. No Guerreiros da NFL, conto a história do Massilon Tigers, que era a equipe mais poderosa de Ohio. Ela não participou da criação da NFL, pois perdeu muitos jogadores para a pandemia e outros na Primeira Guerra. Já o racismo, não era um grande debate, como hoje. Jim Thorpe, o primeiro presidente da NFL, era descendente de índios, e o técnico do título de 1920 era negro, Fritz Pollard. Racistas criticavam a liga por esses motivos, até que fizeram um pacto e baniram os jogadores negros e índios a partir de 1933. Foi tão vergonhoso! Isso só acabou em 1946. Hoje, 66% dos jogadores são afrodescendentes, e muitos têm se manifestado contra o racismo, a violência policial e incentivado os progressistas a irem votar, o que não é obrigatório nos Estados Unidos.
Temos poucos livros sobre futebol americano no Brasil. Como é essa produção nos Estados Unidos?
Lá, as livrarias têm prateleiras inteiras com obras de futebol americano. Há lançamentos todos os meses: biografias, história, textos técnicos, de tática, para quem pratica, livros de fotos e até humor sobre o esporte. Também existem romances – autores famosos, como John Grisham, costumam usar o futebol americano como pano de fundo para suas histórias. Um dos motivos para eu escrever foi a vontade de suprir uma necessidade do fã brasileiro de futebol americano, que só conseguia ler alguma coisa se importasse o livro e dominasse o inglês.