“Viu o demônio outras vezes, sempre à noite, entregando o pacote às pessoas adormecidas ou em transe. Ele trazia uma mensagem de morte, essa era sua única certeza. Mas para quê? Ela até conseguia ler as palavras, mas não as entendia, pois não associava aquilo a nada. De qualquer maneira, vivia aflita, pois achava que só podia ser coisa ruim”.
Durante a leitura de um trecho do conto O mensageiro da morte, numa visita a uma escola, a autora Regina Drummond percebeu que três alunas se abraçaram, tremendo de medo.
– Querem que eu pare? – perguntou Regina.
Uma delas respondeu:
– Não, não. Continue! Estamos com medo, mas gostando muito!
“O medo é uma emoção deliciosa”, diz Regina Drummond, uma das oito escritoras convidadas pela Panda Books para fazer parte da coleção Hora do medo, que tem quatro livros. O conto O mensageiro da morte está no livro “Lobisomem e outros seres da escuridão”. Os outros são: Conde Drácula e outros vampiros, O ladrão de órgãos e outras lendas urbanas e Frankenstein e os outros mortos-vivos.
Ivan Jaf, autor de quatro contos em Hora do medo, escreve histórias de terror para crianças desde 1987. Ele relaciona a sensação causada por essas narrativas à que sentimos em brinquedos como as montanhas-russas e lembra que, nessas ocasiões, os pequenos até competem para saber quem suporta mais medo. “Esse sentimento é controlável pelas crianças, por isso pode ser bom, diferente de um medo real”, afirma Regina. “O medo na literatura é um instrumento de autoconhecimento”, completa Rosana Rios, também autora da coleção de terror.
A leitura de obras assustadoras, portanto, ajuda crianças a lidarem com seus medos. Histórias com séculos de tradição, como “Chapeuzinho Vermelho” ou “João e Maria” em suas versões originais, já traziam tramas muito sombrias. Em 2008, a Panda Books lançou O livro horripilante de Zé do Caixão, com histórias contadas pelo ator e cineasta José Mojica Marins, criador do famoso ícone do cinema de terror brasileiro. Segundo o psicólogo e psicanalista Diego Penha, o medo acumula tensões no corpo e gera uma sensação de forte desprazer. “Mas, quando conseguimos descarregar essa tensão, ao ficarmos arrepiados por exemplo, a sensação é prazerosa”, explica ele. “É uma maneira que o sofrimento encontra para aparecer e ser tratado”.
Rosana Rios vê o medo como parte do nosso extinto de sobrevivência, um recurso importante para enfrentar os perigos. “Os medos sempre vão existir”, diz Shirley Souza, que escreveu um total de 16 histórias que dão medo para a coleção. “Afinal, nós não somos onipotentes, fortes e poderosos”. Ficou ou não ficou com medo?