Eleição de “Sagatrissuinorana”, de João Luiz Guimarães e Nelson Cruz, traz esperança de maior reconhecimento para os autores do gênero
A vitória na categoria Livro do Ano na 63ª edição do Prêmio Jabuti, o mais importante da literatura brasileira, pertenceu a apenas dois autores: João Luiz Guimarães (texto) e Nelson Cruz (ilusrrações). Um universo muito maior de escritores, no entanto, se permitiu celebrar a escolha de “Sagatrissuinorana”. O reconhecimento à obra que homenageia o escritor mineiro Guimarães Rosa ao mesmo tempo em que relembra as vítimas das tragédias ambientais das cidades mineiras de Mariana, em 2015, e Brumadinho, em 2019, pode marcar um ponto de virada no status da literatura infantil, muitas vezes vista como algo “menor”.
Essa é a aposta de Tino Freitas, autor de “Um abraço passo a passo”, lançado pela Panda Books em 2016. Para ele, o próprio espanto causado por essa escolha mostra como este gênero tão importante é ao mesmo tempo tão subestimado: “A gente precisa estar mais presente nesses espaços. A escolha do Jabuti é uma forma de marcarmos território e mostrarmos que nós pertencemos a este ambiente artístico onde a literatura é uma forma de arte que emociona, desconcerta e surpreende”.
Penélope Martins, que assina “Aventuras de Pinóquio”, que a Panda Books lançou em 2018, vê a premiação como “um marco para todas as pessoas que dedicam suas vidas para fazer da leitura um direito de todas as pessoas”. E adiciona: “Escrever infâncias é voltar ao genuíno lugar de nós mesmos, à capacidade de dizer a vida ao brincar, construindo saberes na partilha. Isto é a razão de escrever e ler porque só somos humanos no espaço dialógico em que as ideias são trocadas e as reflexões permitem a construção de algo novo. Por isso, um viva para ‘Sagatrissuinorana’ e para todas as pessoas, editoras, escolas, famílias e leitores que acreditam no poder de contar histórias”.
Dentro do próprio Prêmio Jabuti, a categoria Livro do Ano é recente. Teve início em 2018. Mas desde 1991 havia uma premiação chamada “Livro do Ano Ficção”, que jamais consagrou a literatura infantil e premiou grandes nomes como Chico Buarque de Hollanda (por “Estorvo”, em 1992, “Budapeste”, em 2004, e “Leite derramado”, em 2010), Carlos Heitor Cony (por “Quase memória”, de 1996, e “A casa do poeta trágico”, de 1998), Rachel de Queiroz (por “Memorial de Maria Moura”, em 1993), Lygia Fagundes Telles (por “Invenção e memória”, em 2001), Manoel de Barros (por “O fazedor do Amanhecer”, em 2002), Nélida Piñon (por “Vozes do deserto”, em 2005), Ferreira Gullar (por “Resmungos”, em 2006), Ignacio de Loyola Brandão (por “O menino que vendia Palavras”, em 2008) e Luís Fernando Veríssimo (por “Diálogos impossíveis”, em 2013).
A partir de 1993, o Jabuti também passou a premiar o “Livro do Ano Não Ficção” – unificando as duas categorias em 2018 –, tampouco sem consagrar a literatura feita para as crianças, mas premiando trabalhos de fôlego como “Rota 66 – A história da polícia que mata”, de Caco Barcellos, em 1993; “Estrela solitária”, de Ruy Castro, em 1996; “Estação Carandiru”, de Dráuzio Varella, em 2000; ou a trilogia “1808” (em 2008), “1822” (em 2011) e “1889” (em 2014), todos de autoria de Laurentino Gomes. Essa prateleira respeitável torna ainda mais impactante a presença de um livro infantil nesta galeria consagrada. No último dia 25, na entrega do prêmio, Vitor Tavares, presidente da Câmara Brasileira do Livro, responsável pelo Jabuti, avaliou que o resultado reafirma a criança como o motor da literatura nacional: “É formando jovens leitores que conseguimos difundir os livros em todas as esferas da sociedade brasileira”, afirmou. “Por isso, é tão importante termos uma produção relevante para oferecer aos pequenos”.
Tino Freitas chama atenção inclusive para o fato de a eleição ter sido feita com a obra classificada como “livro infantil”, e não como um “livro ilustrado”: “Ganhou como livro infantil e ganhou como livro do ano enquanto livro infantil. A percepção de que ‘livro ilustrado’ é algo maior do que ‘livro infantil’, além de equivocada, não corresponde à verdade do Jabuti. O prêmio escolheu um livro feito para crianças como o melhor livro do ano e essa é a grande notícia”, resume.