Dezoito anos de vendas internacionais: Turquia é o novo mercado conquistado e título chega na China antes até de ser publicado no Brasil
Quando o primeiro exemplar de Nós duas foi vendido no Brasil, o leitor já podia conversar sobre a obra com alguém que estivesse literalmente do outro lado do mundo. Os direitos para a tradução do texto de Clarice Alphen e ilustrações de Cris Eich, publicado pela Panda Books, foram negociados tão rapidamente que o livro chegou às livrarias da China antes de a edição brasileira ser finalizada. Quem vê tamanha agilidade nesse contato comercial internacional mal pode imaginar o trabalho que a Panda Books teve para emplacar a primeira obra no país mais populoso do mundo: “Fomos procurados no final de 2011, começo de 2012…”, recorda Tatiana Fulas, uma das sócias da editora. “Naquela época, ninguém no Brasil tinha trabalhado com a China. Não sabíamos se estávamos trabalhando com editoras confiáveis ou não. Foi uma relação construída ao longo de muitos anos”.
Depois de incontáveis trocas de e-mails, um encontro na Feira de Bolonha, na Itália, em 2014, ajudou o negócio a se concretizar. “Foram quatro anos de namoro e aí, já numa primeira venda, os chineses publicaram quatro títulos nossos”, conta Tatiana, citando as versões chinesas de A incrível fábrica de cocô, xixi e pum, Em busca da meleca perdida e Pronto para o socorro, os três de Fátima Mesquita, e A viagem por dentro do cérebro, de Daniel Marins de Barros. Esses quatro livros são ilustrados por Fábio Sgroi.
Com Nós duas, a Panda Books chega a sete livros publicados na China desde então. A relação com as editoras do país asiático é tão boa que é difícil não imaginar que a escolha do panda, o animal preferido dos chineses, como nome e símbolo da editora, não tenha facilitado essa sintonia: “Algo me diz que foi por isso que entraram em contato com a gente”, brinca Tatiana. Muito além do nome, a afinidade também é editorial: todos os livros são infantojuvenis e abordam temas leves e divertidos, que é exatamente o que os editores chineses procuram na literatura estrangeira. Tatiana aponta que essa relação Brasil-China reproduz também uma tendência que se espalha pelo planeta: “Há um movimento mundial que coloca cada vez mais em evidência a literatura infantojuvenil brasileira e também a procura por novos mercados além de Estados Unidos e Europa”.
O sucesso com os chineses celebra a maioridade do projeto de internacionalização dos livros da Panda Books. Há 18 anos, em 2004, cinco anos depois da fundação da editora, a dupla O homem irresistível e A mulher irresistível, de Dalila Magarian, foi publicada no México. Dois anos antes, a Panda tinha vivido a primeira experiência na mão contrária, traduzindo uma obra estrangeira (Tudo bem ser diferente, do norte-americano Todd Parr). Aprender a comprar ajudou a Panda a aprender a vender: “Entendemos que poderíamos usar as mesmas condições que as editoras estrangeiras utilizavam para nos vender os direitos”, afirma Tatiana.
Pouco tempo depois, em 2008, um movimento importante do mercado editorial brasileiro serviu de combustível para este projeto: o lançamento do Brazilian Publishers, projeto de incentivo às exportações de livros nacionais, resultado da parceria entre a Câmara Brasileira do Livro e a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos – ApexBrasil. “No passado, havia muita resistência à compra de direitos de livros brasileiros”, lembra Tatiana. “Sempre foi muito mais comum comprar títulos estrangeiros para traduzir aqui. Com o Brazilian Publisher, passamos a ser mais ativos. Antes, vendíamos apenas quando as editoras nos procuravam. Agora, passamos a frequentar as feiras internacionais, não só para comprar, mas também para vender”.
Àquela altura, em 2008, a Panda Books já desfrutava do assombroso sucesso de O doce veneno do escorpião. As histórias da garota de programa Raquel Pacheco, conhecida pelo pseudônimo Bruna Surfistinha, chegaram às livrarias brasileiras em 2005. Dois anos depois, surgiram as primeiras traduções: “O livro entrou muito rapidamente na lista dos mais vendidos, o que chamou a atenção dos agentes literários do mundo inteiro pela temática”, conta Tatiana. A obra foi negociada para cerca de 40 países.
Em todas essas negociações, a figura do agente literário é fundamental. São profissionais com experiência no mercado editorial e que têm a missão de construir pontes entre editoras de diferentes países. A Panda Books tem agentes dedicados especificamente aos mercados da Ásia, da América Latina e da Europa, cada um com a sua área de atuação. De modo geral, os livros com maior penetração nos mercados internacionais são aqueles que tratam de temas universais ou de questões mais existenciais: “Quando participo de reuniões com editores estrangeiros, eu sei o que vai funcionar e o que não vai, porque tratam de questões muito regionais”, admite Tatiana. Mas toda regra tem exceções. O livreiro do Alemão, de Otávio Júnior, por exemplo, atendia exatamente ao desejo de editoras da França e da Espanha por uma obra que retratasse a vida em uma favela do Rio de Janeiro. Já o Canadá tem procurado autores indígenas, como Werá Jeguaká Mirim. Além de autor de Kunumi Guarani, da Panda Books, ele é o rapper Owerá Kunumi MC, que já gravou com Criolo e Alok, fez sucesso fora do país e ajudou a abrir este mercado.
Na retomada dos eventos presenciais, em julho passado, na Bienal do Livro de São Paulo, a Panda Books conseguiu uma nova parceria para publicar As cores de Corina, de Carmen Lucia Campos e ilustrações de Camila Carrossine, na Turquia. Depois de dezoito anos e dezenas de títulos espalhados por dezenas de países, a sensação trazida por cada novo negócio fechado vai além das pretensões individuais da editora: “O principal é divulgar a literatura brasileira e o trabalho dos nossos autores e ilustradores no exterior”, finaliza Tatiana.