Livro reúne artigos de 17 autores para compartilhar práticas inovadoras que colocam o aprendizado no centro do planejamento pedagógico
De que forma um estudante aprende mais em sala de aula? Essa pergunta parece difícil de ser respondida, mas depois de algumas décadas de pesquisas um grupo de educadores chegou a uma conclusão: o aprendizado é mais eficiente quando professores, diretores e alunos entendem cada etapa do processo.
Planejar, anotar, escrever, tornar explícito para o estudante de que forma ele vai aprender, criar mecanismos para que ele perceba o próprio aprendizado e, por fim, criar estratégias de avaliação que sejam capazes de detectar com clareza a evolução de cada um são alguns dos princípios da “aprendizagem visível”, uma expressão criada há pouco mais de uma década pelo neozelandês John Hattie, mas que resume um século de reflexões sobre a necessidade de otimizar o processo de ensino.
Depois de mais de duas décadas pesquisando o tema, pensando a educação e formando professores, a consultora pedagógica Julia Pinheiro Andrade resolveu organizar uma coletânea de práticas e reflexões inovadoras baseadas nesta ideia: “Aprendizagens visíveis: Experiências teórico-práticas em sala de aula” foi lançado pela Panda Books e reúne artigos de 17 autores – Julia e mais 16 convidados.
“Os textos têm total autonomia entre si. A introdução condensou a base teórica comum e então é possível ler autonomamente cada capítulo sem prejuízo na compreensão”, explica Julia.
Se ainda parece um pouco difícil enxergar de que inovações estamos falando, a autora dá algumas pistas: “Discutimos princípios de planejamento e formação continuada de professores evidenciando mudanças de concepção. Mostramos também algumas práticas “mão na massa” [quando o aluno produz algo com as próprias mãos], que são documentadas para que haja reflexão sobre o que foi produzido. Temos o “thinking design” para pensar como a gente articula essas estratégias de visibilidade do aprendizado, temos capítulos sobre estratégia de avaliação e temos capítulos sobre estratégias de compreensão pra entender como a gente pode alinhar ensino, currículo e avaliação dentro essa ideia de desenvolver a compreensão e não a memorização mecânica e ainda fazer isso de maneira visível para todos”, enumera.
Nessa entrevista, ela explica o que é a aprendizagem visível e traz detalhes sobre o processo de curadoria da obra.
O que este livro e principalmente este conceito das aprendizagens visíveis acrescentam para o debate sobre a educação do Brasil neste momento?
Pesquiso as aprendizagens visíveis desde 2015 e conheci muitas práticas potentes dentro e fora do Brasil. Quis organizar uma coletânea dessas práticas porque faltam materiais em português. Desde o início, a preocupação foi fazer uma curadoria com práticas transformadoras que tivessem fôlego para fazer uma reflexão teórica. São abordagens inovadoras que vão do ensino fundamental até o ensino superior. São práticas que alinham os objetivos, as estratégias metodológicas e as estratégias de avaliação, que tornam esse aprendizado visível porque documentam o aprendizado fazendo com que os estudantes desenvolvam uma consciência sobre o que eles estão aprendendo. Começar a trabalhar desse jeito é um caminho sem volta. Você não faz mais de outro jeito.
O livro reúne textos de 17 autores. Como foi feita essa curadoria?
Eu tinha alguns parceiros nas pesquisas sobre o tema desde o começo. Depois, selecionei algumas autoras que já trabalhavam baseadas no Projeto Zero [centro de pesquisa inaugurado em 1967], da Universidade de Harvard. Em seguida, olhei para o lado e vi quem estava desenvolvendo práticas inovadoras. Ao menos dois convites não se concretizaram por falta de tempo. Mas outros livros virão!
O neozelandês John Hattie é uma espécie de ‘pai’ da bibliografia sobre aprendizagens visíveis em nível internacional. Trata-se de algo mais ou menos recente como literatura. Quais são os principais preceitos e conceitos que representam a ideia de aprendizagem visível?
Hattie teve a felicidade de dar o nome a esse conceito dentro da sua metanálise, que buscava entender os fatores que mais influem no aprendizado para que a gente entenda em quais deles vale investir o tempo. Mas, do ponto de vista pedagógico, não é algo novo. Nova é a pesquisa. O que ele fortalece é algo que já era apontado por toda a pedagogia crítica ao longo do século XX: quando o estudante se envolve em atividades autênticas, com critérios e objetivos conhecidos, e se envolve também no sentido de ganhar consciência sobre o que está aprendendo, ele aprende mais. Isso já aparecia nas pesquisas de vários autores, inclusive do Paulo Freire. O próprio Projeto Zero já estuda o tema há mais de 50 anos e essa é a espinha dorsal do livro. Hattie organizou evidências robustas de pesquisa para explicitar o que é essencial.
O título do livro fala em “experiências teórico-práticas”. Como foi o equilíbrio entre essas duas vertentes – a teoria e a prática?
São estratégias que são refletidas teoricamente, mas todas elas foram colocadas em prática. Esse foi o pedido para todos os autores: eu os convidei por causa das práticas que eles desenvolvem, mas eu queria que houvesse reflexão teórica. Então, em todas as práticas, há uma contextualização sobre qual é a base teórica, quais são os conceitos-chave e como esses conceitos podem ser aplicados na sua realidade. A ideia é que os leitores se inspirem nessas práticas para potencializar as suas próprias práticas em sala de aula. Como eu posso ampliar a minha prática? O que eu posso testar? Esse é o convite.
Falamos aqui de mudanças muito bruscas na forma de ensinar e avaliar. Na sua visão, essas ideias estão em conflito com o modelo padrão da educação brasileira? O professor tem a autonomia para aplicar esses conceitos ou será preciso se chocar com o diretor da sua escola ou até mesmo com as diretrizes do Ministério da Educação?
Todos os autores trabalham com formação de professores, então esse é um debate comum para eles. Todo professor, respeitando as orientações curriculares, consegue desenvolver a aprendizagem visível, a documentação da aprendizagem e a explicitação do processo de maneira mais significativa. Porém, é muito evidente que, quando há um conjunto de professores atuando dentro essa ideia, tudo fica mais potente. Essa é uma das observações da metanálise, de John Hattie. A inteligência coletiva cria uma cultura dentro de sala de aula. Quando a gestão está envolvida, temos as escolas que querem criar uma cultura de pensamento baseada no alinhamento entre os objetivos do currículo, a estratégia de aprendizado e a avaliação do processo.
O Brasil tem escolas, professores, alunos e condições de trabalho muito diferentes -não só de uma região para outra como muitas vezes dentro de uma mesma cidade. Essas ideias são universais? Ou a aplicabilidade é restrita a uma realidade específica?
Todo mundo pode fazer. São princípios. Claro que depende do espaço pedagógico que a escola oferece para esse tipo de visão. Em sistemas apostilados e muito controlados no que diz respeito ao tempo para tratar de cada tema, o espaço pra cultura do pensamento e do debate é menor. Em escolas baseadas em projetos autorais, o espaço é maior. Mas está documentado no livro: os conceitos podem ser adaptados mesmo nos modelos mais rígidos. As ideias já foram aplicadas inclusive em grupos enormes, de maneira online e presencial. É mais difícil do que em uma turma não tão grande, onde é possível criar espaços de debate, mas é possível.
Você mencionou o aprendizado remoto e esta foi uma das grandes novidades trazidas pela pandemia da covid-19. O que esta crise sanitária e os seus impactos na educação trouxeram de novo para o livro e para o conceito no qual ele se baseia?
O livro nasceu antes da pandemia, então as práticas também são anteriores. Mas várias delas foram lecionadas durante a pandemia. Há, inclusive, a documentação de aplicativos que foram usados no período de ensino remoto para auxiliar os registros e a interação entre os estudantes. Tem muita ilustração, muito QRCode, muitos links que foram utilizados… O princípio é tão eficaz que ajudou muito nesse período.