Livro de poemas de Clarice Alphen e Cris Eich registra o ciclo de uma relação entre avó e neta
Claudia Ramos teve uma vida longa e cercada de amor. Prima do escritor Graciliano Ramos, a alagoana decidiu sozinha morar no Rio de Janeiro. Casou-se, teve dois filhos e quatro netos. Com eles, construiu uma relação harmoniosa, daquelas que deixam lembranças para toda a vida. Por isso, em 2018, quando a saúde da vovó Claudia começou a falhar, e as lembranças aos poucos foram sumindo da mente de 96 anos bem vividos, uma das netas resolveu eternizar tudo o que havia vivido com ela: “Passamos uma tarde juntas, ela estava muito consciente, e eu comecei a pensar em nossas trocas e como as nossas dinâmicas foram mudando ao longo do tempo”, recorda Clarice Alphen, hoje com 25 anos.
Clarice foi buscar as mais agradáveis lembranças nesta relação – os passeios, os momentos de afeto e o cuidado mútuo, que seria observado, mais tarde, como o ponto mais forte da construção do texto. Cerca de trinta versos apareceram nas coisas mais simples – e, àquela altura, Clarice ainda não imaginava que eles pudessem virar um livro. Assim nasceu “Nós duas”, lançamento da Panda Books.
O desabafo despretensioso foi escrito pouco antes de Claudia falecer. Clarice mostrou o texto para a mãe, a ilustradora Cris Eich: “Claudia era minha ex-sogra, mas continuou sendo uma grande amiga”, conta Cris. “Tive uma ótima relação com as minhas avós e, quando vi as brincadeiras, o cuidado e o afeto no poema, achei fantástico. Tudo casava com aquilo que eu acredito: crianças e idosos, em fases opostas da vida, estão sempre muito próximos. Eles se encontram no lúdico, numa visão de vida que a gente na idade adulta perde. O poema é belíssimo, numa linguagem que as crianças entendem”.
Essa sintonia entre o texto da filha e o trabalho da mãe se explica para além dos laços familiares: “Como eu falava do meu passado, eu escrevia me vendo como criança”, avalia Clarice, que trabalha como tradutora, mas já pensa em novos projetos na carreira como escritora infantojuvenil. “Mostrei para minha mãe porque ela é uma artista incrível e eu comecei a visualizar como o poema ficaria com o trabalho dela. Minha mãe transformou a história”.
Em seus últimos versos, o poema se revela como uma grande alegoria sobre as transformações vividas no ciclo da vida: no início, a avó cuida da neta. No final, a neta está cuidando da avó. Repetindo, com os papéis invertidos, muitas daquelas lembranças: “Coisas básicas como preparar uma refeição, sair para passear, levar para tomar banho… Foram coisas que tive que fazer quando ela se viu debilitada e eu pensei em como era bonita essa transformação”, emociona-se Clarice.
Embora quase tudo verse sobre lembranças reais, há no final de “Nós duas” uma licença poética. Ideia da ilustradora, Cris, explicada pela autora, Clarice: “A narradora tem uma filha no fim. Pensava apenas em deixar marcado que a avó faleceu, mas ela colocou essa questão muito bonita: existe a morte, mas existe a vida”.