Caio Tozzi lança em “A viagem de Mundo” uma trama de conflitos familiares, amores e dilemas do início da vida adulta
Homenagens como a da 4ª edição da Feira Literária de Tiradentes (FLITI), que acontece no próximo mês de outubro, no interior de Minas Gerais, são uma boa forma de medir o legado do escritor mineiro Fernando Sabino para a literatura brasileira. O centenário de nascimento do autor, morto em 11 de outubro de 2004, será celebrado justamente em 12 de outubro.
Existe, porém, uma outra forma, talvez até mais impactante, de avaliar a presença que um escritor marca na cultura literária: observar o quanto de um autor existe na geração ou nas gerações de escritores que cresceram como leitores e hoje são responsáveis pela produção literária de um país. Nesse sentido, uma maneira de medir o tamanho de Fernando Sabino é ler o que escreve o paulista Caio Tozzi, de 39 anos, que lança o juvenil “A viagem de Mundo” pela Panda Books: “Ele sem dúvida é uma das principais influências da minha construção pessoal e profissional. Suas histórias povoaram minha infância, minha juventude e minha vida adulta trazendo não só a companhia que os livros podem nos dar mas também valores, pensamentos e olhares que me acompanham hoje em dia”, diz ele, lembrando-se com particular das frases de Eduardo Marciano do livro “O Encontro Marcado”, de 1956: “Essas frases ainda fazem parte do meu dia-a-dia”.
Portanto, não surpreende que Edmundo Zappe, o garoto de 16 anos que protagoniza “A viagem de Mundo”, tenha um livro de Fernando Sabino – “O Grande Mentecapto”, de 1979 como companheiro ao longo da trama que parte de um conflito familiar para mergulhar o leitor de uma série de dilemas típicos da transição entre a adolescência e a vida adulta ao mesmo tempo em que desenvolve uma história de amor: “Um autor de livros infantis e juvenis precisa estar sempre antenado ao que o leitor do seu tempo busca e o que se conecta com ele”, explica Tozzi. Com este, já são sete livros para este público, dois deles finalistas do Prêmio Jabuti, o mais importante da literatura brasileira: “Não se trata apenas de colocar elementos de tecnologia na história. A questão é entender a cabeça desse leitor que nasceu e cresceu num tempo de múltiplas conexões. Fazer uma narrativa ágil, como se os leitores estivessem assistindo a algo”, resume. Para não se distanciar do público, Caio produz ainda textos teatrais e um podcast chamado #MOCHILA, onde se dedica a debater narrativas criadas para crianças e adolescentes.
Dentro do enorme campo da literatura juvenil, “A viagem de Mundo” pode ser segmentado de maneira mais específica na categoria de “romance de formação”, tão bem dominada por Fernando Sabino. Um subgênero que engloba as características clássicas do romance dentro da história de uma personagem que está se desenvolvendo do ponto de vista físico, moral e emocional: “Acho que o primeiro romance de formação que eu li na juventude foi ‘O encontro marcado’”, rememora Tozzi. “Foi definitivo. A história da passagem da juventude para a vida adulta”. Agora que o sonho está realizado, pode haver quem encontre uma contradição entre dizer que é preciso estar atento aos anseios de uma geração que nasceu conectada e ao mesmo tempo inspirar-se em livros escritos há cerca de cinquenta anos. Contradição nenhuma, explica Tozzi: “Tendo esse compromisso com o leitor de hoje, é possível mergulhar em coisas que nunca vão mudar em um adolescente independentemente da época: as angústias do crescer, as primeiras descobertas sentimentais e emocionais, um novo corpo, os medos…”, enumera. “Esse encontro com a vida durante a juventude pra mim é lindo e fascinante. Por isso eu gosto tanto de escrever para esse público e desejo continuar me dedicando a ele”.
Na história, dividida em 27 capítulos, o garoto Edmundo briga com o pai, com quem não consegue mais se comunicar. Confuso em um mundo onde ora é visto como alguém que “só tem 16 anos” e ora é cobrado como alguém que “já tem 16 anos”, Mundo amadurece na marra, principalmente a partir do momento em que se apaixonada por Lara, filha de um desafeto da família e, ao mesmo tempo, é mandado pelo pai para viver bem longe de casa. “O Grande Mentecapto”, livro que é o companheiro de Mundo nessa jornada, tem como protagonista Geraldo Viramundo, definido por Caio Tozzi como “uma figura libertária”: “Edmundo é um personagem que cria coragem para obedecer ao gigante que está dentro dele. Viramundo tem a alma que ele queria almejar”.
Para além de Sabino, Tozzi agregou ao seu rol de referências livros como “On the Road”, de 1957, escrito por Jack Kerouac; “O apanhador no campo de centeio”, de 1951, publicado por J.D. Sallinger; “The outsiders”, de S.E. Hinton, que nasceu em 1967 e virou filme de sucesso nos anos 80; e “As vantagens de ser invisível”, escrito por Stephen Chbosky em 1999. “Entendi que esses livros falavam sobre descobertas sexuais, morte, amizade… falavam sobre tudo. E muitas vezes traziam essa ideia de movimento, da personagem circulando pra se encontrar. Foi a partir desses elementos que eu fui construindo a jornada de Mundo. É uma descoberta de si mesmo ao mesmo tempo em que se descobre a vida que virá pela frente”, reflete.
Caio Tozzi enxerga como uma feliz coincidência que “A viagem de Mundo” seja publicado em 2023, ano do centenário de Fernando Sabino: “Converso com muitas pessoas que me dizem o quanto ele foi fundamental em suas formações e isso sempre faz com um sorriso abra no meu rosto”, diz ele. “O autor faz com sua personagem o que ela fez comigo. Sempre que eu resgatava algo do Sabino pra essa história eu pensava: ‘nossa, isso é tão meu também’. Foi nessa experiência de escrever sobre crescer sem perder a ternura, ver a vida com afeto e valorizar a amizade que eu entendi como eu sou mesmo constituído pela obra dele”. Por isso, não é difícil concluir qual será, para Tozzi, um dos maiores prêmios que sua obra poderá almejar: “Que a viagem de Mundo possa fazer com que novos leitores queiram conhecer e encontrar os livros de Fernando Sabino”.