Escrever bobagens é um troço danado de bom!

Típica mineira de Belo Horizonte, Fátima Mesquita arrancava riso fácil dos paulistas, que se divertiam com seu sotaque e o seu jeitinho “pão-duro”. Havia se mudado para São Paulo no início dos anos 1990, porque era o curso natural daqueles que procuravam emprego. Ela, que acabou não completando o curso universitário de comunicação, teve que se virar para começar a pagar as contas sozinha. Trabalhou como professora de português no cursinho pré-vestibular Anglo e redatora na rádio Jovem Pan, até se envolver na produção de campanhas políticas. Depois de entregar uma delas no Mato Grosso do Sul, em 1996, foi convencida pelos colegas para dar um rolê no Paraguai. Na bagagem de volta, trouxe seu primeiro computador.

“Aquele trambolho ocupava um espaço danado”, lembra. “Ele precisava, ao menos, ser útil”. O fim do ano era sempre um marasmo para quem, como ela, trabalhava com política. Depois das eleições, em novembro, não pintaria trabalho até meados do ano seguinte. Aos 31 anos, Fátima tinha equipamento e tempo: virou escritora. Do sarro que resolveu tirar dos amigos, nasceu seu primeiro livro. O Manual da pão-durice era tudo aquilo que, pouco depois, consagraria o talento de Fátima Mesquita: original, divertido, curioso e muito gostoso de ler.

Era para ser só uma brincadeira, mas a mineira gostou daquele troço. A estreia de verdade veio em 1998, quando publicou a obra de contos Julieta & Julieta, pela editora Summus, o primeiro livro de literatura lésbica no Brasil assinado com o próprio nome da autora. O mercado editorial se animou e a pressionou para virar romancista, mas não era a praia de Fátima. “Romance é uma coisa meio esquizofrênica”, diz. “Você passa anos convivendo com personagens que só existem na sua cabeça”.

Fátima gostava mesmo era de bobagens da vida real – e decidiu escrever sobre elas. Em visita à Inglaterra, se encantou pela quantidade de livros sobre história e ciências nas prateleiras infantis. Lembrou da infância, e do gosto que tinha em ler coisas como a biografia de Dom Pedro II ou a dinâmica das estrelas e planetas, e até curiosidades sobre o funcionamento dos aparelhos domésticos. Na sua casa, tinha uma estante repleta desses livros de referência, e não havia nenhum tipo de restrição: Fátima e os irmãos podiam folhear à vontade livros de todos os assuntos.

A curiosidade vem do sangue: os pais de Fátima eram grandes entusiastas da cultura geral – o pai estudou medicina, a mãe era poliglota, o avô, jornalista. Se o Jornal Nacional falava sobre a guerra no Líbano, no intervalo era certo que a família abriria o atlas para descobrir tudo sobre aquele país distante. Na era pré-internet da cidadezinha do interior de Minas Gerais João Monlevade, para onde os Mesquitas se mudaram quando Fátima era apenas um bebê, ter uma dúvida era trabalho para detetive! “Só os livros eram capazes de resolver”, lembra.

Foi dessa bagagem que surgiu o Almanaque de puns, melecas e coisas nojentas, sua primeira aventura na literatura infantil. Como sugere o título, tratava-se de um compêndio de fatos e curiosidades sobre essas coisas tão nojentas quanto essenciais que nosso corpo produz. Fátima apresentou o projeto para a Panda Books e a editora apostou. O livro saiu em 2004 e até hoje agrada a garotada: foram 13 mil cópias vendidas.

Na época, ninguém escrevia assim: por fora, bobagens e linguagem leve e solta; no fundo, informações importantes e consistentes. Cansada da caretice das publicações de cultura geral que encontrava por aí, Fátima criou sua própria língua – uma língua bem brasileira, com expressões das mais diferentes regiões do país. “Nojento”, “troço” e “enfezado” estão entre as palavras preferidas dela. Na biblioteca da autora, uma seção todinha é dedicada a livros de referência da linguagem popular brasileira. “Pode parecer fácil escrever essas besteiras, mas não é”, conta. “Exige um trabalho de pesquisa de conteúdo, linguística e construção textual, para deixar a coisa fluida como um riachinho”.

O estilo super original e eficiente de Fátima Mesquita se consagrou em outras oito obras publicadas pela Panda Books: “Almanaque de baratas, minhocas e bichos nojentos” (2005), “Almanaque de corruptos, ditadores e tiranos nojentos” (2006), “A incrível fábrica de cocô, xixi e pum” (2007), “Piratas – Os personagens mais terríveis da história” (2008), “Em busca da meleca perdida” (2011), “Pronto para o socorro” (2013), “Bem bolado” (2014) e “Tem lugar aí pra mim?” (2018).

Apesar de os livros dela serem tradicionalmente classificados como almanaques, ela sugere que o gênero possa ser definido como “não-ficção criativa”. “A função desses livros é abrir portas para a curiosidade das crianças”, afirma. Fátima vende uma média de 10 livros por dia. Em 2015, “Pronto para o socorro” foi editado na Alemanha e, em 2020, na China, junto com “A incrível fábrica de cocô, xixi e pum” e “Em busca da meleca perdida”. Este último é seu best-seller: vendeu 106 mil exemplares no Brasil.

Um último segredo: essa super autora é também a gênia por trás dos comentários que recheiam os livros da coleção Os Clássicos da Panda Books, que traz o texto integral de obras tradicionais com explicações e links bem espertos, para o leitor jovem se situar. Multifuncional, Fátima nunca está com um projeto só. Hoje, divide a rotina entre as notas para os próximos lançamentos da coleção Os Clássicos, os roteiros do seu canal no YouTube – Explicatricks –, a produção de um novo livro autoral e a organização de uma campanha política. Apesar de ter alma bem brasileira, mora com a esposa polonesa no Canadá há 17 anos, em uma vila na região francesa. Conheceu o país no casamento do irmão e, quando voltou, levou um choque com a violência que encontrou no Brasil. Agilizou o processo do visto e se mudou de vez. Tem um ponto de exclamação tatuado no pulso esquerdo, que representa um espanto maravilhoso: “Eu vivo de fazer o que eu aprendi nos meus quatro anos primários: escrever”.

Um comentário sobre “Escrever bobagens é um troço danado de bom!

  • Helvecio disse:

    Olá!
    E bom pacarái quando a gente tem notícia de uma pessoa que a gente não vê, nem ouve falar há tanto tempo e se depara com isso tudo que acabei de ler.
    Com sua licença, “Fafá”, fiquei feliz pelo seu sucesso Boa Sorte!!!

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