Com a lupa nos bichinhos e nas crianças

Para acabar com o medo que as crianças andam desenvolvendo da pequena fauna urbana, Leninha Lacerda lança livro poético

 

Como nasce uma história? Cada uma nasce de um jeito e cada autor tem o seu processo criativo. No caso de Cláudia Helena Lacerda, ou, como prefere, Leninha Lacerda, a palavra-chave é a observação. Foi assim que ela percebeu que a relação das novas gerações com a natureza anda um tanto estremecida. “As crianças de apartamento estão ficando com medo dos bichinhos”, disse uma jovem mamãe. “Então me veio a ideia de falar sobre isso de uma forma poética para que a meninada volte a ficar amiga dos animais”.

Nascia assim “Bichinhos perto de mim”, lançamento da Panda Books, que apresenta 26 animais da fauna urbana de qualquer cidade. É uma maneira de quebrar esse muro que separa os mais novos deste contato direto com espécies que podem ser vistas no portão de casa. “Muitos podem ser tocados, mas eu explico quais são aqueles que exigem uma certa distância”, explica.

O processo de primeiro observar uma questão para depois fazer dela um livro virou corriqueiro na carreira dessa ilustradora de 59 anos, que agora assina o seu terceiro livro infantojuvenil também na condição de autora. “Sou de circo” nasceu quando Leninha percebeu a necessidade de estimular os movimentos corporais nos bebês. “Caixa de brincar” (lançado em inglês como “Play Box”) veio antes da pandemia, mas fez mais sentido durante, quando ela acumulou caixas dentro de casa e procurou encontrar brincadeiras criativas, de fácil execução, com materiais simples e que retirassem as crianças do ambiente virtual: “Meus filhos cresceram soltos, brincando na lama, e hoje vejo que muitas crianças não têm essa possibilidade. O celular tomou conta até dos bebês e isso me apavora”, admite.

Antes de entrar para o mercado editorial, Leninha esteve próxima de outras carreiras. Acabou inicialmente escolhendo o curso de Cinema na Faculdade Armando Álvares Penteado (FAAP). Em parte, por gostar da sétima arte; em parte, como resultado de um esforço de outros alunos para captar novos companheiros e assim alcançar o número mínimo de dez estudantes para que a turma fosse formada. Leninha chegou a estagiar na área e seguiu por lá, “encantada com aquilo”, até o dia em que foi provocada por um amigo, o engenheiro de som Roberto Ferraz: “Ele me perguntou o que eu faria se ganhasse 1 milhão de reais”, lembra. A resposta natural para profissionais que trabalhavam com áudio seria responder que compraria gravadores, cabos ou microfones. Leninha foi por outro caminho: “Vou entrar numa papelaria e comprar papel, caneta, tinta… Aí ele falou ‘sai daqui e vai cuidar da sua vida’. Perdeu a estagiária”, brinca Leninha, que dali em diante, mesmo desconfiada quanto a possibilidade de ganhar a vida desenhando, se jogou de cabeça na nova profissão e “nunca mais parou”.

Desenhou capas e desenvolveu materiais didáticos para editoras como FTD, Ediouro, Ática e Moderna. Até que surgiu a parceria com a Panda Books. Começou com as ilustrações de “Fofilofa”, escrito por Regina Soler e lançado em 2016. Depois, ganhou a chance de trabalhar desenhando e escrevendo as próprias ideias em “Sou de circo”, “Caixa de Brincar” e agora em “Bichinhos perto de mim”.

De voz calma, mas empolgada, Leninha tem um processo de criação quase que 100% artesanal: “Sou horrível no Photoshop”, confessa aos risos. “Meu prazer é desenhar à mão. Uso o computador para corrigir alguns erros, o que é fácil. Mais que isso, não sei fazer. Tem gente que faz um trabalho incrível, mas eu gosto do lápis, da caneta e da tinta. Meu processo é manual. Desenho com lápis, começo a pintar e depois escaneio e eventualmente corrijo antes de mandar para a editora”, explica. Não é muito rápido, é como um bordado: “Em ‘Bichinhos perto de mim’ cada página dupla [são 26 no total] levou mais ou menos dois dias, algumas vezes até três… era muito tempo em uma mesma coisinha, um mesmo detalhe”.

Com três filhos homens já adultos, Leninha tem um público-alvo do qual fazem ou farão parte em breve os quatro netos (também todos homens): Thomas, 4 anos, Martín, 3, San Noah, 2, e Bento, que ainda não completou 1 ano.

“Sou de Circo” nasceu da habilidade do filho mais novo para mexer o corpo e escalar móveis “como o Homem Aranha”.  De uma forma ou de outra, tudo se relaciona com o jeito de levar a vida e de enxergar a infância que marca a fala e os traços dessa ilustradora cada vez mais autora: “A gente vive em um mundo em que nada pode. E a criança precisa do toque, da liberdade de correr, de cair, de machucar, de levantar, de esquecer da dor e depois só lembrar da coisa boa. Tudo isso faz parte. Inclusive a frustração. Não consegue? Tenta de novo. Não sabe? Tenta! Temos que observar a criança”, finaliza.

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