Gustavo Piqueira: o designer original, criativo e moderno da coleção “Clássicos”

Quem está por trás do bem sucedido projeto da coleção Clássicos, da Panda Books, é o designer gráfico Gustavo Piqueira. Fundador do estúdio Casa Rex, ele e a equipe já receberam mais de 500 prêmios internacionais – e continuam somando. Gustavo e a Casa Rex são os responsáveis pela ideia das capas e da organização interna dos livros, incluindo ilustrações, notas de rodapé e boxes.

Como um projeto assim começa a surgir?

Primeiro há uma concepção geral, que é rápida. A ideia era assumir que um clássico em versão escolar precisaria trabalhar uma possível aversão que o aluno tem de leituras obrigatórias. Por isso, esse teor um pouco anárquico – já vem rabiscado. Desse princípio, nós temos alguns desdobramentos: como abordar todas as notas, os boxes, misturar ilustrações diferentes. Essa quantidade de elementos maior que em um livro comum atende o conceito do livro de um jovem e, ao mesmo tempo, ajuda a organizar a grande quantidade de paratextos.

Quais são as etapas seguintes?

São dois passos paralelos que se cruzam em um momento. Depois desse que eu chamo de “tom”, que não precisa ser materializado, temos a parte prática: entender o conteúdo. O livro é um território que você vai ocupar. É importante entender tanto suas características físicas quanto o que precisa caber nele. Tudo isso envolve pegar o texto, jogar no espaço, no número de páginas, usar um tamanho de fonte que seja bom para leituras e entender quais são os paratextos, para saber quantas variações serão necessárias. Nos Clássicos, da Panda Books, a mancha, que é a parte ocupada pelo texto, é menor do que o comum, para caber as notas e os boxes. Essa série de testes é um pré-projeto. Aí, nós escolhemos a fonte, a cor e as ilustrações.

Coleção “Clássicos” da Panda Books

Como foi o desenvolvimento do projeto da capa?

A proposta de capa original era diferente da que acabou adotada. Ela apresentava retratos dos autores rabiscados. Por exemplo, o Machado de Assis com o bigode rabiscado da forma que os alunos costumam fazer de brincadeira. Foi a única mudança do original. Gosto desse trabalho, porque já tem 10 anos e ainda se mantém. Alguns ficam velhos, é um aspecto inerente da minha atividade. Sempre que um projeto continua interessante com o passar do tempo é sinal de que ele se apoiava em algo original, e não apenas no espírito da época em que foi feito.

Aniversário de São Paulo – curiosidades sobre símbolos da cidade

A cidade de São Paulo foi fundada em 25 de janeiro de 1554, mas só teve um brasão e uma bandeira para representá-la no século XX. Para comemorar os 467 anos da capital paulista, recebemos um artigo do geógrafo Tiago José Berg, autor de Hinos de todos os países do mundo e Bandeiras de todos os países do mundo.

Brasão da cidade de São Paulo

Em dezembro de 1915, a Câmara Municipal de São Paulo instituiu um concurso para a escolha do brasão de armas da cidade, atendendo uma solicitação do prefeito Washington Luís. Até então, o emblema usado pela prefeitura era o brasão da República Brasileira. Formou-se uma comissão composta de personagens da vida cultural paulistana para julgar os trinta e seis concorrentes. Nenhum dos trabalhos satisfez o júri. Pouco se sabe sobre os desenhos, mas havia muitos brasões cheios de águias, bandeiras, fortalezas, correntes partidas e até capacetes de Mercúrio. O projeto de número 32, de autoria do ilustrador José Wasth Rodrigues foi de grande importância no primeiro concurso – introduziu o lema NON DUCOR DUCO (não sou conduzido, conduzo), que se imortalizaria mais tarde como lema heráldico paulistano. Houve um segundo concurso com trinta e dois trabalhos. Nele, sagrou-se vencedor o projeto de número 7, de autoria do poeta e heraldista Guilherme de Almeida, em parceria com Wasth Rodrigues.

Em relação ao modelo atual, o desenho contava com um braço armado empunhando uma espada batalhante, que partia da direita do escudo (destra), com uma coroa mural revestida de ouro e três torres, além do lema escrito em negro. A comissão sugeriu algumas modificações, como a retirada da espada e as letras do mote passaram a ser escritas em vermelho. O projeto foi aprovado por Washington Luís no ato n.º 1.057, em 8 de março de 1917.

Em 2 de outubro de 1974, promulgou-se a lei n.º 8.129, que alterou o seu desenho original para a versão usada até hoje. Foi sugerido um novo posicionamento do braço armado, agora saindo do flanco esquerdo do escudo, para dar a ideia de ação na figura, que também se tornou maior. A coroa mural passou a ter cinco torres – trata-se de um castelo localizado na parte superior dos brasões municipais. São as muralhas que cercavam as antigas cidades medievais. Essa tradição é vem de Portugal, onde há uma regra: três torres para aldeia, quatro para vila ou distrito e cinco para município. Além disso, só a capital pode ter as muralhas em ouro, os outros municípios usam em prata ou cinza.

Bandeira da cidade de São Paulo

A primeira bandeira da capital paulista era toda branca, com o brasão da cidade ao centro. Esse desenho foi sugerido pelo publicitário Caio de Alcântara Machado para ser hasteado na Feira Industrial Têxtil de 1958. A partir de então, a prefeitura resolveu adotá-lo.

Em 1986, o prefeito Jânio Quadros organizou uma comissão para elaborar uma nova bandeira. Usado até hoje, o desenho de Lauro Ribeiro Escobar é formado por um campo branco, onde está inserida uma cruz da Ordem de Cristo de braços alargados ao estilo escandinavo. A cor é vermelha vazada de branco.

No cruzamento dos braços da cruz foi posto um círculo, nas mesmas cores, que ostenta o brasão de armas do município. A cor branca simboliza a paz, a pureza, a verdade, a integridade, a amizade e a síntese das raças. O vermelho é a cor-símbolo da audácia, da coragem, do valor, da galhardia, da generosidade e da honra. A cruz evoca a fundação da cidade pelos padres Manuel da Nóbrega e José de Anchieta. Lembra também a herança da colonização portuguesa e a ação desbravadora dos bandeirantes em busca de novas conquistas.

O círculo é o emblema da eternidade, além de simbolizar que todas as decisões saem e convergem para ele, pois a cidade é centro de poder e capital do “estado bandeirante”. A atual bandeira foi instituída pela lei nº 10.260, de 6 de março de 1987, e hasteada pela primeira vez no dia 18 daquele mês, em cerimônia realizada no parque do Ibirapuera.

Presente de Natal: Autores da Panda Books escrevem conto coletivo com sete finais felizes

A Panda Books convidou sete autores para um desafio de fim de ano: escrever um conto de Natal coletivo. Cada um teve apenas um dia para criar um parágrafo da história. Com essa parte pronta, cada escritor foi responsável por um final feliz diferente, também no prazo de 24 horas. A história se transformou em um livro, oferecido gratuitamente para nossos leitores. Ele está disponível para download no site www.pandabooks.com.br. O Panda News conversou com os sete autores – Caio Tozzi, Carmen Lucia Campos, Henrique Sitchin, Manuel Filho, Marcelo Duarte, Penélope Martins e Shirley Souza – sobre a participação nessa brincadeira.

Penélope gostou tanto do convite, que confirmou presença rapidamente – já com sua parte pronta. Assim como ela, Shirley Souza conta que se divertiu com a ideia: “Mas logo depois de aceitar, me deu um frio na barriga”, lembra. Quando parou para escrever, o parágrafo saiu fácil e deixou Shirley curiosa para saber que rumo a história tomaria. Henrique Sitchin lembrou do telefone sem fio da infância e de um exercício que propunha em uma oficina de dramaturgia para o teatro: “Cada participante fazia uma parte da história e, depois, nos juntávamos para criarmos os elos dos diversos trechos”.

Marcelo foi o responsável por começar: “Estava me perguntando aqui em casa como seria a noite de Natal este ano sem beijos e abraços e logo me veio a imagem de Papai Noel não podendo sair do Polo Norte por causa da idade”, lembra. Durante a escrita, cada autor acrescentou elementos novos, deixando em aberto aos próximos o que aconteceria com a novidade. Caio Tozzi se deparou com um cachorro durante a história: “Um personagem ótimo!”. Então, criou um amigo para ele – assim, surgiu mais um personagem. Henrique teve uma ideia ao mexer no próprio bolso e pegar o smartphone: “Fiquei pensando como seria um celular mágico, um dispositivo com alguma função fantástica, algo muito além dos aparelhos que nós usamos”. A ideia se unia à necessidade de comunicação à distância por causa da pandemia.

“Gostei de usar a engenhoca do Henrique no meu final”, lembra Carmen Lucia Campos. O parágrafo dela se relaciona com o de Manuel Filho. Nas duas partes, a autora buscou acrescentar magia. Para Manuel foi diferente, pois crítica social é um aspecto marcante em sua obra. “Não consigo sentar para escrever uma coisa em que não apareça o meu envolvimento com o mundo”, afirma o autor. Com características diferentes, os autores prepararam o caminho para a trama natalina.

O final

Perguntados como foi criar um final feliz em um conto feito por sete pessoas diferentes, cada autor trouxe uma história nova. Colocamos os relatos abaixo.

Caio Tozzi: “Quando vou escrever minhas histórias, planejo os acontecimentos, as viradas e tudo mais. Mas a proposta da Panda tinha o sabor da surpresa – inclusive porque tínhamos um prazo curto para fazer nossa parte. Tive que ler e reler toda a história e pensar em todos os elementos que os meus colegas colocaram desde a primeira parte e, de repente, utilizá-los no meu encerramento, de uma forma coerente com a trama construída. Foi divertidíssimo! E o mais bonito, neste momento que estamos vivendo, é poder imaginar que teremos, sim, um belo final feliz para breve”.

Carmen Lucia Campos: “Havia muitos elementos que surgiram ao longo da história, mas eu encontrei um especial para transformá-lo no agente da magia que se deu naquela noite de Natal. Queria um desfecho leve e, de certa forma, surpreendente, que resgatasse o espírito natalino e representasse uma mensagem de esperança”.

Henrique Sitchin: “Um dos grandes desafios é tentar ser coerente com tudo o que já foi escrito. Então, há que se provocar a criatividade, mas sem deixar de lado a coerência com as demais ideias. É um exercício delicioso. Assim que recebi os textos dos colegas, minha cabeça não parou mais de funcionar até que eu enviasse a minha parte. A cabeça se embaralha toda e a gente passa o resto do dia tentando desfazer os nós para organizar tudo e entregar um bom texto. Isso é tão bom! Deixa-nos em ‘estado produtivo’, que é essencial. Agora estou curioso, roendo as unhas de ansiedade para ler todos os finais”.

Manuel Filho: “Não me deu nenhum nó na cabeça. Eu li a história toda. Como era livre, pude fazer como achei melhor. Foi tranquilo e gostoso de escrever”.

Marcelo Duarte: “Fui dormir pensando em como amarrar tudo aquilo com o final que eu tinha imaginado. Quem disse que eu dormi? Tive insônia e resolvi ir para o computador e terminar de escrever o conto de Natal em plena madrugada. O resultado ficou bem divertido”.

Penélope Martins: Eu me diverti somando imaginários e tentei dar um final surpreendente com todos os elementos trazidos pela turma.

Shirley Souza: “Vi o trecho criado pelo Henrique e fiquei pensando que missão seria capaz de transformar tudo, de levar o acalento e a proteção a todos, de devolver o brilho do Natal até para quem não tem um teto sobre sua cabeça. Eu tinha um dia inteiro de trabalho pela frente e não consegui me concentrar em nada. Só ficava pensando no que Noel faria. Depois de horas com isso formigando dentro de mim, a ideia veio forte. Ninguém precisaria se arriscar, se expor ao vírus e, ainda assim, seria poderoso. Não teria como ignorar, tampouco não assumir que algo muito especial estaria acontecendo. O nó se desfez. Fui escrever e o final nasceu. Espero que nossa história aqueça os corações de todos que a receberem neste Natal”.

Eduardo Monsanto, o rubro-negro que escreve sobre conquistas históricas do Flamengo

O jornalista carioca Eduardo Monsanto, mais conhecido como Dudu Monsanto, passou o dia 23 de novembro de 2019 driblando a ansiedade. Era a final da Copa Libertadores. O Flamengo, seu time do coração, perdia por 1 X 0 para os argentinos do River Plate. “Quando chegou aos 40 do segundo tempo, comecei a me conformar com a ideia de que, talvez, o título não viesse”, lembra. Três minutos depois, tudo mudou: Gabigol marcou para a equipe carioca. “Sou muito contido emocionalmente, mas me peguei gritando na varanda do apartamento. Nunca tinha feito isso em 15 anos morando em São Paulo”. Aos 46 minutos, Gabriel fez outro gol. Dudu chorou, e o Flamengo levou o título pela segunda vez. Tudo foi tão intenso, que o jornalista dormiu pesado, já no início da noite. De repente, acordou em plena madrugada e sacudiu a esposa:

— Aconteceu mesmo?
— Sim, é verdade!

“Então, dormi feliz”, relembra e cai na risada. Ele acaba de lançar A virada – Milagre em Lima, sobre essa conquista histórica do Flamengo. O livro também aborda os garotos do Ninho do Urubu, tragédia que ocorreu pouco antes do início do campeonato. Monsanto ainda é autor de 1981 – O ano rubro-negro, onde fala da primeira vez em que o time foi campeão da América, liderado por Zico.

Panda News: Foi mais fácil escrever o 1981 – O ano rubro-negro, ou agora o A virada?

Dudu Monsanto: Para o 1981, eu sabia que teria a efeméride dos 30 anos do mundial e me programei para fazer com cerca de três anos de antecedência. A virada não era para ser um livro, mas um capítulo que atualizaria o 1981 com as conquistas do ano passado. Eu tinha 16 páginas para isso. Fui escrever e pensei que não poderia falar só de 2019, porque a vitória começa com a reestruturação em 2013. Também não tinha como deixar passar a história dos garotos do Ninho. As 16 páginas viraram 120.

Quantas entrevistas você fez para o livro?

No primeiro livro, conversei com todos os titulares, o treinador, alguns reservas, os dirigentes e até torcedores. Eu tinha que fazer isso de novo, mas o prazo era de 40 dias. Por sorte, liguei para uma amiga, a produtora Ana Paula Garcez, para conseguir o telefone de um atleta. Expliquei que estava fazendo o livro, ela tinha tempo naquele momento, e se propôs a me ajudar. Foi o meu Gabigol. A Ana chegou aos 43 do segundo tempo, construiu essa virada junto comigo, e entrevistamos praticamente todo mundo. O único que não conseguimos foi o próprio Gabriel. Mas não deixamos de registrar as impressões dele. Colhemos depoimentos que o jogador deu para documentários feitos sobre a conquista e colocamos os créditos das fontes.

Por que incluir o drama da morte dos garotos do Ninho do Urubu?

Eu tentei contar, de uma maneira bem humana, quem era cada um deles. Junto com a queda do avião da Chapecoense, para mim, essa é a maior tragédia do futebol brasileiro. Foram dez meninos entre 14 e 16 anos, com muita coisa para viver, todos eram a esperança e o orgulho das famílias, e morreram por negligência. Eles estavam até que bem instalados, mas houve uma falha muito grave. Nós não podemos virar as costas. O livro traz fotos dos jogadores em visitas a sobreviventes – isso mexeu com todo mundo. Mas a postura do clube foi muito ruim, faltou humanidade no trato. Eu não seria honesto se deixasse de contar o que aconteceu. Cada um dos meninos ganhou uma página, e o livro é dedicado a eles. Não se pode esquecer o que aconteceu, porque nesses casos falta justiça – descobrir quem foi o culpado, os motivos que levaram à tragédia, criar mecanismos para que isso não se repita, normas de segurança para quem vai receber essas crianças na base.

Sobre a Libertadores, você estava em Lima no jogo da decisão?

Não. Quando a final mudou para Lima, eu cheguei a fazer contas para saber quanto custava a viagem. Tenho um filho de 5 anos, e dava seis meses de mensalidades da escola dele. A escola do meu filho marcou a apresentação de fim de ano para aquele mesmo dia. Ele não gosta de muito barulho, é mais quieto, a apresentação era com uma música do Carrapicho e tinha coreografia. Fui pensando que não aconteceria muita coisa. Chegou na hora, ele parecia profissional, dançou, fez a coreografia inteira, eu me emocionei e chorei junto com a minha esposa. Quando acabou, eu sabia que, independentemente do que acontecesse em Lima, o meu dia estava ganho. Mas ainda teve a surpresa de o jogo ser como foi.

Você tinha quantos anos na conquista de 1981?

O 1981 é um ajuste meu por não ter visto aquele time jogar, pois eu tinha 2 anos. Acabou que A virada, apesar de não planejado, faz as pazes com esse outro momento. Como eu conversei com todo mundo, vi cada uma das partidas, desde o começo da Libertadores, para poder contar, é como se eu tivesse ido a Lima. Acho que eu vi e ouvi mais do que quem estava lá.

Qual foi o sentimento de receber um vídeo do Zico na live de lançamento?

Ele é a razão de eu ser Flamengo! Cresci no auge do Zico. É um cara que norteia muito o meu caminho até o jornalismo esportivo. O primeiro livro me colocou em uma encruzilhada. Eu tive chances de entrevistá-lo antes, mas sempre corri. Ficava pensando que, se ele não fosse uma pessoa boa, a minha vida desmoronaria. Quando escrevi o 1981, fiz duas entrevistas grandes com ele, cada uma com cerca de duas horas. E o Zico é muito mais legal do que eu poderia imaginar, mais craque fora do que em campo. Quando recebi o vídeo, vi que ele, lá do Japão, perdeu um tempo para mandar uma mensagem de carinho e fazer toda a nação rubro-negra olhar para o lançamento. Foi um prêmio tão grande quanto são o texto da orelha escrito pelo Lúcio de Castro e a contracapa do Mauro Cézar Pereira.

Como é que se faz a gravação de um audiolivro?

Nos primeiros meses de 2020, o radialista Eduardo Barão e a Panda Books mergulharam juntos em um projeto ambicioso: gravar o audiolivro Eu sou Ricardo Boechat. A editora escolheu esse título para estrear sua parceria com o serviço de streaming Ubook não por acaso: o jornalista biografado tinha uma voz inconfundível, assim como é a de Barão, coautor do livro. Para os fãs, seria especial ouvir na voz do colega de trabalho e amigo de Boechat as divertidas e emocionantes histórias de sua vida.

Apesar de sempre ter trabalhado com a voz, Barão encarou a tarefa como um desafio. “Tinha dúvidas principalmente sobre como interpretar as falas de Boechat”, lembra. Mas uma intercorrência do acaso deu um toque especial à gravação: no meio do trabalho, estourou a pandemia do coronavírus e o estúdio da Ubook teve que fechar as portas. Barão correu para sua segunda casa – a Band News FM – e conseguiu autorização para terminar lá sua missão. “Muitos que me ouviram durante esse processo lembraram de histórias que o próprio Boechat tinha contado no ar”, lembra, com carinho.

Cris Albuquerque, gerente de conteúdo editorial da Ubook.

Gerente de conteúdo editorial da Ubook, Cris Albuquerque explica que, além das pessoas com deficiência visual, o formato tem sido procurado por quem não quer ficar longe dos livros, mesmo quando não pode segurá-los para ler, como no trânsito e até na hora da faxina. Ela contou ao Panda News como é feito um audiolivro e por que ele é diferente de outras produções em áudio.

Leitura. Na primeira etapa, os produtores leem uma parte do livro para entender quais as características deverão buscar no narrador. “Geralmente só uma pessoa grava o texto todo. Mesmo que tenha muitos personagens, a história traz uma voz central”, explica. Este é o ponto que define se um audiolivro terá sucesso ou não. As buscas são feitas no banco de vozes da empresa – um registro de narradores com suas características. Eles nem sempre encontram alguém nos arquivos, então procuram atores, personalidades, locutores ou outros bancos.

Há os casos em que os próprios autores fazem a narração, como em Eu sou Ricardo Boechat. “Quem escreve traz uma verdade para a leitura e tem mais liberdade.” Quando outra pessoa faz a narração, ninguém mexe em nada do texto. Porém, livros com tabelas ou notas precisam de edição: “A gente trabalha essa parte, envia para a editora e pede autorização. Se for o autor, ele faz o que quiser.”

Teste de voz. Nesta etapa, a pessoa selecionada recebe um trecho do texto para ler. Se for aprovada, a produção compartilha com a editora. “Fora o autor, ninguém conhece melhor um livro do que quem o edita”. Por isso, Cris considera importante só gravar depois deste passo.

Gravação. A entonação de audiolivros tem características próprias: “Não é uma peça de teatro e nem um documentário. O ideal é que a leitura seja natural para transmitir sinceridade”. Cris ainda conta que cada sessão de gravação tem, no máximo, três horas. A voz e o cansaço mental impossibilitam períodos mais longos.

Revisão. Os audiolivros costumam ter entre 6 e 10 horas. “É impossível não ter que regravar”. Alguma palavra pode ficar incompreensível, acontecem problemas de pronúncia com termos estrangeiros. Até se a barriga do narrador roncar durante uma fala, o barulho aparece, e o trecho é refeito. A edição também é revista.

Finalização. Nesta última etapa, o objetivo é a homogeneização do conteúdo. “Por exemplo, o narrador pode se aproximar mais do microfone em uma palavra. Isso muda o volume naquele trecho”, explica Cris, justificando correções realizadas com o uso de software.

Todas as etapas envolvem treinamento de novos profissionais, numa área onde ainda há poucas pessoas especializadas. “Não é só pegar o texto e sair lendo. A edição e a revisão também têm características próprias. Nossa vida é treinar gente. Eu gosto bastante”.

Clique aqui para mais informações sobre o audiolivro Eu sou Ricardo Boechat, de Eduardo Barão e Pablo Fernandez. A coleção Hora do medo também está disponível no site e no aplicativo da Ubook.

Todd Parr de A a Z

A Panda Books está preparando uma grande novidade para o final do ano: O livro da gentileza, de Todd Parr, estará disponível em livrarias físicas e virtuais a partir de dezembro. Para celebrar o lançamento do 20º livro de Todd no Brasil, o Panda News preparou um A a Z sobre o autor com detalhes curiosos de sua vida.

A – Arte

Todd Parr é artista desde criança. Aos 7 anos, ele ganhou um concurso de quadrinhos de um jornal americano. Já adulto, desenhava e pintava como hobbie. Até que passou a vender roupas estampadas com seus trabalhos. De repente, Todd estava criando coleções especiais para lojas importantes, como a Macy’s, e expondo seus quadros. Lançou uma linha de produtos infantis. O trabalho impressionou um editor de Nova York, que sugeriu que ele escrevesse livros para crianças.

B – Berkeley

A cidade de Berkeley foi fundada na Califórnia no século XIX para abrigar uma universidade com o mesmo nome. Além do ambiente universitário, ela ficou famosa ao longo do tempo por se posicionar a favor de causas como a proteção de imigrantes e de americanos que se recusaram participar da Guerra do Vietnã. É nesta cidade que Todd Parr vive atualmente.

C – “Com amor, Todd”

O autor tem uma forma especial de lidar com as crianças, que o permite falar sobre temas delicados com leveza. Um exemplo dessa característica está nos finais de seus livros. Todos terminam com uma mensagem carinhosa, direcionada aos pequenos leitores, seguida por: “Com amor, Todd”.

D – Dezoito anos no Brasil

O primeiro livro de Todd Parr lançado no Brasil foi Tudo bem ser diferente, em 2002, pela Panda Books. Ele logo conquistou crianças, pais e professores. O Panda News mostrou recentemente um caso do carinho que os livros de Todd recebem: a entrevista com a pediatra Fernanda Ribeiro, que indica leituras aos pacientes e defende a importância desse ato desde o desenvolvimento da fala. Ela começou a divulgar literatura para crianças pela internet justamente com Tudo bem ser diferente.

E – Escolas

É comum professores de educação básica trabalharem Todd Parr com as crianças. E Todd gosta de visitar os alunos nos Estados Unidos e em suas viagens, como fez no Brasil. O autor fez visitas a duas escolas em Brasília e em São Paulo, além de ter dado uma palestra no CEU Caminho do Mar, zona sul paulistana.

F – Flipiri

A Festa Literária de Pirenópolis (Flipiri), no interior de Goiás, foi o primeiro compromisso da visita que Todd Parr fez ao Brasil em maio de 2014. No evento, o autor realizou debates, promoveu uma oficina de ilustração e foi homenageado pelo prefeito com a chave da cidade – presente simbólico dado a pessoas que realizam feitos especiais aos cidadãos.

G – Guias de atividades

Em seu site oficial, o autor compartilha atividades para as crianças. A página é em inglês. Há desenhos para colorir – incluindo ilustrações de seus livros – e bonecos chamados paper dolls, feitos para imprimir, recortar e montar. Também há um guia de como criar o seu próprio livro.

H – Humor

Uma criança com cueca na cabeça é uma ilustração comum nos livros de Todd Parr. Com delicadeza e diversão, ele fala sobre assuntos como adoção, perda de alguém especial e ter dois pais ou duas mães.

I – It’s Okay to Be Different

Esse é o título original de Tudo bem ser diferente, o primeiro livro escrito por Todd Parr, publicado em 2001. A obra é um sucesso até hoje, e a tradução para o português está entre as mais vendidos da Panda Books. Em sua estreia, o autor escreveu sobre diferenças culturais, sociais, físicas e étnicas.

J – Julian

Todd Parr criou um desenho para televisão. O ToddWorld (Mundo de Todd) estreou em 2004 nos Estados Unidos e ficou no ar até 2008. Ele retratou personagens e cenários da mesma maneira dos livros. Entre os que fizeram parte da turma está Julian, um garoto que anda de cadeira de rodas e é artista. Sua primeira aparição foi no episódio “It’s Okay to Have Wheels” (Tudo Bem ter Rodas). No Brasil, ToddWorld foi transmitido pelo canal “Discovery Kids”. Em 2007, o desenho foi ao ar em Portugal pela emissora “Canal Panda”.

K – Keith Haring

O desenhista norte-americano Keith Haring (1958-1990) gostava de usar cores vivas e linhas pretas nas suas obras. Essa característica do artista é uma das principais influências de Todd Parr, que desenha em um tablet gráfico ligado a um computador.

L – Livros fáceis de ler

Durante a infância, Todd gostava de livros fáceis, especialmente os ilustrados. O autor considera importante que os adultos façam perguntas para as crianças quando estão lendo com elas – como de quais elementos elas mais gostam nas páginas e as cores que chamam mais atenção.

M – Mensagens para caridade

Todd gosta de ajudar instituições de caridade. Para contar com a parceria dos fãs, ele entrou para o site Cameo. Nele, é possível pagar por uma assinatura e receber mensagens e vídeos que o autor faz com exclusividade para os assinantes. Todo o dinheiro que ele ganha dessa forma é doado às suas instituições preferidas.

N – Nove de julho

Todd Parr nasceu em 9 de julho de 1962, em uma cidade chamada Rock Springs, no estado norte-americano de Wyoming. Ele mora na Califórnia desde 1995.

O – Otto

Uma das estrelas dos livros é o cachorro Otto. Todd adora bichos, especialmente os cães. Em sua visita ao Brasil, contribuiu com a União Protetora dos Animais de Pirenópolis (Upapiri) e adotou um cachorro que tinha sido atropelado – o autor cedeu suas obras para a criação de um calendário que foi vendido pela associação. Os lucros foram usados para sustentar o bicho, até ele encontrar um lar. Nos Estados Unidos, também há instituições para o cuidado de animais que recebem ajuda de Todd Parr. Atualmente, ele vive com três pit bulls bem dóceis resgatados na cidade onde mora – os cachorros se chamam Pete, Tater Tot e Jer-Jer. Otto só nos livros.

P – Pimentas

Todd adora cozinhar, e as pimentas estão entre seus temperos favoritos. Quando veio ao Brasil, em 2014, ele recebeu de presente da equipe da Panda Books um kit de pimentas tradicionais brasileiras, além de uma camisa da Seleção Brasileira com o número 10 e seu nome nas costas.

Q – Queijo

Todd adora queijo, ainda mais para comer com macarrão. Ele gosta tanto que compartilha duas receitas com o ingrediente em seu site. A paixão por massa aparece de uma forma divertida no primeiro livro: “Tudo bem comer macarrão com almôndegas na banheira”. Esse foi o menu de um almoço com jornalistas quando o autor esteve no Brasil – mas fora da banheira!

R – Reconhecimento

Todd Parr já recebeu seis prêmios como reconhecimento pelo seu trabalho. O destaque fica com O livro do planeta Terra, premiado duas vezes nos Estados Unidos. Ele também fez parte da famosa lista de mais vendidos do jornal The New York Times.

S – Sentimentos

Sentir-se com raiva, medo, angústia ou euforia é comum desde a infância. Mas para as crianças, dar nomes e entender esses sentimentos pode ser complicado. Em O livro dos sentimentos, de 2011, Todd Parr aborda diferentes emoções e explica cada uma delas aos pequenos leitores com textos e ilustrações simples e cativantes.

T – Tudo bem cometer erros

As crianças podem ficar constrangidas ao fazer algo errado. No livro Tudo bem cometer erros, Todd Parr mostra que não se deve ficar triste por esse motivo. Os erros podem ser uma fonte de aprendizado. O próprio autor passou por isso no início da carreira literária. Nos quadros, ele não usava pontuação quando escrevia frases, e seguiu com o formato nos primeiros livros infantis. Então, Todd percebeu que estava dando um mau exemplo. Atualmente, ele toma cuidado para que todas as suas obras tenham a pontuação correta.

U – United

Antes de ser autor de livros infantis, Todd Parr trabalhou como comissário de voo na companhia aérea United. O emprego foi a maneira que ele conseguiu para sair da pequena cidade onde morava. Passou 15 anos trabalhando para a empresa, e foi durante os horários livres das viagens que ele pôde desenvolver sua arte.

V – Vietnã

O Vietnã é um pequeno país asiático, que ao norte faz fronteira com a China. Ele possui uma rica cultura e belas paisagens naturais. O idioma oficial por lá é o vietnamita, que conta com traduções de livros de Todd Parr, feitas por uma editora chamada Crabit Kidbooks. O autor já foi traduzido para outras 14 línguas em quatro continentes diferentes.

W – Wyoming

O estado natal de Todd é o décimo maior dos Estados Unidos, mas tem uma população pequena por causa do clima árido, das grandes regiões montanhosas e da localização distante do litoral. As principais atividades econômicas do Wyoming são o turismo e a agropecuária.

X – Xangai

Todd Par já visitou a terra dos pandas: a China. Ele viajou para Xangai quando livros seus foram traduzidos para o idioma local. Lá, visitou crianças e tirou fotos dos ursos que são símbolo do país e o nome de sua editora no Brasil.

Y – Yellowstone

O estado onde o autor nasceu é o destino de muitos turistas, principalmente por causa do Parque Nacional de Yellowstone. Fundado em 1872, ele foi um dos primeiros do mundo a receber dinheiro público para proteger os animais e a vegetação local. Nele, os visitantes podem ver de perto animais como lobos, alces e ursos, além de 300 gêiseres, que dão um show natural de água quente lançada ao alto. Também é possível fazer trilhas, praticar canoagem, mountain bike e pesca esportiva.

Z – Zoo de Todd

Um dos livros de Todd a retratar animais é Zoo Do’s and Don’ts, com dicas divertidas sobre o que pode ser feito em um zoológico – e o que não pode de jeito nenhum. O autor sempre desenha animais de um jeito próprio – eles são coloridos, sorriem, ficam tristes e também possuem os traços simples que fazem sucesso entre as crianças.

Escrever bobagens é um troço danado de bom!

Típica mineira de Belo Horizonte, Fátima Mesquita arrancava riso fácil dos paulistas, que se divertiam com seu sotaque e o seu jeitinho “pão-duro”. Havia se mudado para São Paulo no início dos anos 1990, porque era o curso natural daqueles que procuravam emprego. Ela, que acabou não completando o curso universitário de comunicação, teve que se virar para começar a pagar as contas sozinha. Trabalhou como professora de português no cursinho pré-vestibular Anglo e redatora na rádio Jovem Pan, até se envolver na produção de campanhas políticas. Depois de entregar uma delas no Mato Grosso do Sul, em 1996, foi convencida pelos colegas para dar um rolê no Paraguai. Na bagagem de volta, trouxe seu primeiro computador.

“Aquele trambolho ocupava um espaço danado”, lembra. “Ele precisava, ao menos, ser útil”. O fim do ano era sempre um marasmo para quem, como ela, trabalhava com política. Depois das eleições, em novembro, não pintaria trabalho até meados do ano seguinte. Aos 31 anos, Fátima tinha equipamento e tempo: virou escritora. Do sarro que resolveu tirar dos amigos, nasceu seu primeiro livro. O Manual da pão-durice era tudo aquilo que, pouco depois, consagraria o talento de Fátima Mesquita: original, divertido, curioso e muito gostoso de ler.

Era para ser só uma brincadeira, mas a mineira gostou daquele troço. A estreia de verdade veio em 1998, quando publicou a obra de contos Julieta & Julieta, pela editora Summus, o primeiro livro de literatura lésbica no Brasil assinado com o próprio nome da autora. O mercado editorial se animou e a pressionou para virar romancista, mas não era a praia de Fátima. “Romance é uma coisa meio esquizofrênica”, diz. “Você passa anos convivendo com personagens que só existem na sua cabeça”.

Fátima gostava mesmo era de bobagens da vida real – e decidiu escrever sobre elas. Em visita à Inglaterra, se encantou pela quantidade de livros sobre história e ciências nas prateleiras infantis. Lembrou da infância, e do gosto que tinha em ler coisas como a biografia de Dom Pedro II ou a dinâmica das estrelas e planetas, e até curiosidades sobre o funcionamento dos aparelhos domésticos. Na sua casa, tinha uma estante repleta desses livros de referência, e não havia nenhum tipo de restrição: Fátima e os irmãos podiam folhear à vontade livros de todos os assuntos.

A curiosidade vem do sangue: os pais de Fátima eram grandes entusiastas da cultura geral – o pai estudou medicina, a mãe era poliglota, o avô, jornalista. Se o Jornal Nacional falava sobre a guerra no Líbano, no intervalo era certo que a família abriria o atlas para descobrir tudo sobre aquele país distante. Na era pré-internet da cidadezinha do interior de Minas Gerais João Monlevade, para onde os Mesquitas se mudaram quando Fátima era apenas um bebê, ter uma dúvida era trabalho para detetive! “Só os livros eram capazes de resolver”, lembra.

Foi dessa bagagem que surgiu o Almanaque de puns, melecas e coisas nojentas, sua primeira aventura na literatura infantil. Como sugere o título, tratava-se de um compêndio de fatos e curiosidades sobre essas coisas tão nojentas quanto essenciais que nosso corpo produz. Fátima apresentou o projeto para a Panda Books e a editora apostou. O livro saiu em 2004 e até hoje agrada a garotada: foram 13 mil cópias vendidas.

Na época, ninguém escrevia assim: por fora, bobagens e linguagem leve e solta; no fundo, informações importantes e consistentes. Cansada da caretice das publicações de cultura geral que encontrava por aí, Fátima criou sua própria língua – uma língua bem brasileira, com expressões das mais diferentes regiões do país. “Nojento”, “troço” e “enfezado” estão entre as palavras preferidas dela. Na biblioteca da autora, uma seção todinha é dedicada a livros de referência da linguagem popular brasileira. “Pode parecer fácil escrever essas besteiras, mas não é”, conta. “Exige um trabalho de pesquisa de conteúdo, linguística e construção textual, para deixar a coisa fluida como um riachinho”.

O estilo super original e eficiente de Fátima Mesquita se consagrou em outras oito obras publicadas pela Panda Books: “Almanaque de baratas, minhocas e bichos nojentos” (2005), “Almanaque de corruptos, ditadores e tiranos nojentos” (2006), “A incrível fábrica de cocô, xixi e pum” (2007), “Piratas – Os personagens mais terríveis da história” (2008), “Em busca da meleca perdida” (2011), “Pronto para o socorro” (2013), “Bem bolado” (2014) e “Tem lugar aí pra mim?” (2018).

Apesar de os livros dela serem tradicionalmente classificados como almanaques, ela sugere que o gênero possa ser definido como “não-ficção criativa”. “A função desses livros é abrir portas para a curiosidade das crianças”, afirma. Fátima vende uma média de 10 livros por dia. Em 2015, “Pronto para o socorro” foi editado na Alemanha e, em 2020, na China, junto com “A incrível fábrica de cocô, xixi e pum” e “Em busca da meleca perdida”. Este último é seu best-seller: vendeu 106 mil exemplares no Brasil.

Um último segredo: essa super autora é também a gênia por trás dos comentários que recheiam os livros da coleção Os Clássicos da Panda Books, que traz o texto integral de obras tradicionais com explicações e links bem espertos, para o leitor jovem se situar. Multifuncional, Fátima nunca está com um projeto só. Hoje, divide a rotina entre as notas para os próximos lançamentos da coleção Os Clássicos, os roteiros do seu canal no YouTube – Explicatricks –, a produção de um novo livro autoral e a organização de uma campanha política. Apesar de ter alma bem brasileira, mora com a esposa polonesa no Canadá há 17 anos, em uma vila na região francesa. Conheceu o país no casamento do irmão e, quando voltou, levou um choque com a violência que encontrou no Brasil. Agilizou o processo do visto e se mudou de vez. Tem um ponto de exclamação tatuado no pulso esquerdo, que representa um espanto maravilhoso: “Eu vivo de fazer o que eu aprendi nos meus quatro anos primários: escrever”.

Renato Santos

Por que falar sobre racismo em sala de aula

Renato Santos dá aulas de literatura para o ensino médio. Quando protestos pelos direitos dos negros começaram a ganhar força este ano, ele publicou um vídeo em seu perfil do Instagram com reflexões sobre a situação. Isto chamou a atenção da dona de uma das escolas onde trabalha, uma mulher branca:

— Não acho que acontece o que você fala. Não olho para uma pessoa vendo a cor da pele dela, isso é tão surreal!
— Pois é, mas existe. Você é dona de uma rede com três escolas, e quantos professores pretos tem?
— Mas a culpa não é minha, não me importo em contratar brancos ou negros.
— Eu perguntei outra coisa: quantos professores pretos você tem?
— Nas três unidades, quatro ou cinco.

E você? Quantos professores pretos teve durante a sua vida?

Ale Santos
Ale Santos, autor de “Rastros de resistência – histórias de luta e liberdade do povo negro”.

Autor de “Rastros de resistência: Histórias de luta e liberdade do povo negro”, Ale Santos afirma que é importante discutir as manifestações nas aulas porque o racismo prospera onde existe o silêncio. “Se a escola, que é um ponto de contato muito forte da criança com a sociedade, não discute isso, ela acaba favorecendo padrões coloniais que não foram combatidos”, explica. Ele lembra que a constituição de 1934 instaurava a educação eugênica no Brasil, o que só começou a ser confrontado em 2011 com a inserção do estudo de cultura africana e indígena nas escolas.

Rastros de resistência – histórias de luta e liberdade do povo negro
“Rastros de resistência – histórias de luta e liberdade do povo negro” resgata histórias apagadas pela colonização.

Quatro obras da Panda Books debatem a cultura africana e as condições de vida dos escravos e da população negra no Brasil atualmente. Com ilustrações de Cristiano Siqueira, o livro de Ale Santos resgata histórias reais que foram apagadas a partir do período de colonialismo. Ele nos apresenta reis, rainhas, guerreiros e amazonas que lutaram em seus territórios, como o líder quilombola Benedito Meia-Légua, a princesa guerreira Zacimba Gaba, que invadia navios negreiros, o poderoso Império Axânti, e também as atrocidades cometidas contra os povos da África e a perpetuação dos discursos de racismo.

Meu avô africano
“Meu avô africano” aborda a riqueza da cultura dos povos da África.

Em “Meu avô africano”, Vítor Iori aprende com o avô Zinho a história de seus antepassados, como era a vida no período da escravidão e a importância de preservar as raízes de seu povo. Ele recebe ajuda do avô e da tia para apresentar um trabalho na escola que se torna uma verdadeira aula sobre a riqueza da cultura africana. O texto é de Carmen Lucia Campos e as ilustrações de, Laurent Cardon.

O navio negreiro
Slim Rimografia abordou com um olhar atual e musicou o clássico poema de Castro Alves em “O navio negreiro”.

No século XIX, “O navio negreiro”, poema de Castro Alves, marcou a história da literatura brasileira por se tornar um ícone da denúncia das injustiças contra os negros. O rapper Slim Rimografia fez uma versão musicada e atual do poema que é apresentada com grafites do Grupo Opni no livro homônimo.

O filho do caçador e outras histórias-dilema da África
Com contos tradicionais da cultura africana, “O filho do caçador e outras histórias-dilema da África” traz reflexões ao final de cada texto.

Uma das tradições da cultura africana são as histórias-dilema. Elas propõem uma pergunta que pode ter várias respostas baseadas em diferentes pontos de vista. Por exemplo: certo dia, a linda filha do chefe de um povoado desapareceu. Como recompensa, quem a encontrasse ganharia sua mão em casamento. No entanto, cinco homens, cada um com sua habilidade, ajudam no resgate da moça. Com qual deles ela deveria se casar? Andi Rubinstein e Madalena Monteiro reuniram 15 desses contos em “O filho do caçador e outras histórias-dilema da África”. O livro tem ilustrações de Andrea Ebert.

A leitura no desenvolvimento da fala das crianças

A pediatra Fernanda Ribeiro indica livros para crianças que ainda não aprenderam a falar e até para as que ainda não nasceram. Intensivista de formação, especializada em aleitamento materno e nutrologia pediátrica, área que estuda os benefícios e malefícios causados pelos nutrientes, ela também desenvolve um trabalho no Instagram, onde divulga informações para pais e cuidadores sobre medidas relacionadas à saúde dos pequenos. “Procuro construir um vínculo maior com as pessoas que são assistidas por mim”.

Seu primeiro post com recomendação de leitura apresentou Tudo bem ser diferente, de Todd Parr, publicado no Brasil pela Panda Books. Foi quando a equipe da editora conheceu o trabalho de Fernanda. “Se educarmos as crianças para a diversidade, teremos uma sociedade mais inclusiva no futuro!”, ela escreveu na postagem.

Panda News – Por que a leitura é importante quando a criança ainda nem aprendeu a falar?

Fernanda Ribeiro – A leitura é fundamental para o desenvolvimento das crianças, porque elas aprendem a falar a partir da escuta de diálogos e de histórias no dia a dia. Minha filha irá fazer sete anos, e eu e meu marido lemos para ela desde a gestação. Ele leu até a Ilíada quando a Gabriela estava na minha barriga. Depois, quando ela nasceu, desenvolvemos o hábito de ler todas as noites. Isso influenciou principalmente no vocabulário, nas habilidades de fala, comunicação e socialização. Além de a leitura ser um momento de lazer em família, ela desenvolve um vínculo muito grande entre a criança e quem lê para ela. Minha filha foi alfabetizada, mas esse contato não se quebrou e ela ainda demanda o ritual de lermos juntos.

Você também indica livros nas consultas?

Houve uma campanha da Sociedade Brasileira de Pediatria chamada “Receite um livro”. Ela incentivava os pediatras a mobilizarem pais e cuidadores para lerem com os filhos. Eu continuo sugerindo livros, principalmente nos períodos em que os pais estão mais abertos. Por exemplo, nas consultas de pré-natal, tudo o que eu indicar para as mães, elas leem, por terem mais tempo, disponibilidade e procurarem informação. Outra oportunidade aparece quando a criança está perto da aquisição da fala (entre um ano e meio e dois anos e meio), porque os pais ficam muito ansiosos pelas primeiras palavras. Isso também ocorre na alfabetização. O Tudo bem ser diferente pode ser importante nesse processo. É um dos livros que marcou minha filha, e o primeiro que eu indiquei no Instagram. A leitura é acessível e ele promove uma educação inclusiva, possibilitando aos pais passar valores de igualdade para os filhos. E as cores do livro são chamativas, as figuras e informações muito próximas das crianças. Isso tudo aproxima o livro do universo infantil.

Como é a relação da Gabriela com o Tudo bem ser diferente?

Nós lemos muito esse livro para ela! O Carlos, meu marido, é educador, e vemos até com nossas visões profissionais a diferença que faz no desenvolvimento dela, na percepção das diferenças e limitações das pessoas. Às vezes, ela mesma diz: “tudo bem ser assim, né, mamãe?”. Tudo bem, Gabi!

Clássicos da literatura nos cursinhos

Livros clássicos costumam ser um desafio para todos os tipos de leitores, e, nos cursinhos preparatórios para o vestibular, isso não é diferente. “A gente tem pouquíssimo tempo para trabalhar muita coisa”, explica Carolina Prospero, professora de literatura do cursinho da FEA-USP.

A professora Carolina conhece muito bem os desafios de se trabalhar com os clássicos da literatura em cursinho.

Alunos e professores concordam que a linguagem é o maior desafio. Dagoberto Domingos Teodoro, também professor do cursinho da FEA, explica que os alunos costumam achar que a dificuldade acontece só por estarem no século XXI, mas parte disso vem desde quando as obras foram publicadas. “A norma culta da língua é uma variante que o povo não usa no dia a dia”, explica. O distanciamento histórico causa confusão quando aparecem objetos ou expressões que caíram em desuso. “Um aluno me perguntou o que era telegrama”, conta Dagoberto. O serviço é disponibilizado pelos Correios até hoje.

O humor é uma das estratégias do professor Dagoberto para ensinar seus alunos.

Quando Iracema era leitura obrigatória na Fuvest, Carolina conheceu a edição da Panda Books numa visita à livraria. “Falei dela em sala de aula, uma das alunas tinha e mostrou para os outros. Os que usaram a edição da Panda adoraram.” Os livros contam com ilustrações e notas nas laterais das páginas para facilitar a compreensão dos jovens leitores. Fátima Mesquita, autora dos textos informativos, brinca que adora descascar abacaxis. “Todos os livros que eu faço são assim, eu tento entender as coisas para explicar de um jeito mais simples”, conta. Para a coleção de clássicos, ela revela que faz pesquisas na internet, em quatro dicionários diferentes e ainda procura saber se em outras épocas houve um significado diferente para as palavras.

Aluno de escola pública, Matheus descobriu um mundo novo com a literatura no cursinho.

“Passei a conhecer o contexto em que a obra foi escrita”, explica Matheus Manoel Domingues Pedroso, aluno de Carolina e leitor dos clássicos da Panda Books. Ele conta que pesquisa as características da sociedade da época, a vida do autor, e, se possível, gosta de ter contato com entrevistas dadas por ele. Matheus ainda fez um amigo no cursinho para quem liga todos os dias: “Discutimos as matérias e como encaixar passagens das obras na redação. Gostamos muito do Machado de Assis, e dá para colocar os livros dele em qualquer texto do vestibular.”

Sofia conheceu a paixão por leitura em casa, com os pais, mas também luta contra a defasagem do ensino público.

Para Sofia Oliveira de Lucia, também aluna do cursinho da FEA-USP, existe um desafio maior: a defasagem do ensino médio. “Não acho que seja só a dificuldade dos livros. O problema, na verdade, vem de mim e de outros alunos que estudamos em escolas públicas.” Matheus afirma que sequer ouviu falar de Machado na escola. “Conheci no cursinho da FEA, eles foram anjos na minha vida”, completa.