Um convite para adentrar na obra de artistas contemporâneos e explorar novas possibilidades de ocupação da casa em que moramos
“Como nascem as casas? Dos sonhos, do desejo e da necessidade de ter um lugar para morar, das mãos dos trabalhadores, dos traços dos arquitetos, dos mutirões e das ideias dos artistas.”
O que difere a casa em que vivemos das casas criadas pelos artistas? Quantos tipos de casas podem existir? As arte-educadoras Diana Tubenchlak e Renata Sant’Anna apresentam no livro Entre: a arte é sua, da Panda Books, um olhar investigativo e poético para este espaço que passamos a ocupar em tempo integral. Obras de diversos artistas contemporâneos preenchem as páginas do livro, revelando as mais diferentes propostas. Cozinha com banheiro? Uma casa toda vermelha? Sofá na parede?
Nesse passeio pelo livro-casa estão obras de Regina Silveira, Mônica Nador, Romulllo Conceição, German Lorca, Alfredo Volpi, entre outros artistas, que permitem não só mostrar uma nova perspectiva sobre o objeto casa, mas que possibilitaram a transformação dos espaços. Conheça a shabono, casa dos índios yanomami que é incendiada para eliminar insetos, fotografada por Claudia Andujar; a casa-carro dos artistas colombianos Ninibe Forero e Leonardo Ruge que se refugiaram no Rio de Janeiro; e a casa toda vermelha de Cildo Meireles. Ao final do livro, na seção informativa, as autoras apresentam propostas de experiências artísticas para serem vivenciadas pelos pequenos leitores em suas casas, transformando-as em uma casa-ateliê.
O renomado palestrante Marc Prensky propõe uma importante reflexão sobre o futuro da educação
Em seu visionário livro, o educador e futurista de renome internacional Marc Prensky apresenta uma alternativa ao modo como ensinamos e o que ensinamos para as crianças, baseada na aplicação da paixão dos alunos a projetos da vida real. Para Prensky, a educação deve girar em torno de ações que transformem o mundo e façam com que as pessoas melhorem a si mesmas no processo. Ele argumenta que o ensino calcado em uma combinação rotineira de matemática, artes da linguagem, ciências e estudos sociais deixa cada vez mais a maioria de nossos alunos despreparada para o futuro.
O autor elenca uma série de projetos inspiradores que vem sendo realizados em escolas do mundo todo. Como ele afirma, “projetos reais que melhoram o mundo são aqueles que produzem mudanças efetivas e, com sorte, duradouras nas comunidades locais e globais de crianças e jovens – mudanças para as quais eles podem apontar e dizer: “Eu e meu grupo fizemos isso!”. Com base nas tendências mundiais emergentes, Prensky elabora uma visão abrangente para a educação básica, incluindo novas finalidades, novos meios, novo conteúdo curricular, novo tipo de ensino e novo uso da tecnologia. Este é, em última análise, um livro sobre o desenvolvimento da capacidade dos jovens de realizar coisas que tornarão seu mundo um lugar melhor, usando meios nunca antes disponíveis. Ele propõe uma visão inovadora e viável para uma Educação Global Futura que preparará melhor estudantes de todas as origens e classes sociais.
“Se o objetivo da educação é que crianças e jovens se tornem pessoas melhores, mais competentes, capazes de aprimorar o mundo e mais bem-preparadas para o futuro, ‘realizar’ é um meio muito mais eficiente para alcançar esse objetivo do que a ‘aprendizagem’ pela qual quase todas as nossas escolas estão obcecadas. Pouquíssima coisa da grade curricular atual prepara os alunos para realizações no mundo.”
Educação para um mundo melhor foi agraciado com o prêmio Indies Gold Award (2016), na categoria Melhor Livro de Educação.
O AUTOR
MARC PRENSKY é um aclamado palestrante, escritor, consultor e designer de renome internacional no campo da educação. Criador da expressão “nativo digital”, é fundador e diretor-executivo da Global Future Education Foundation, uma organização sem fins lucrativos dedicada a uma nova visão da educação para fomentar o empoderamento das crianças. Prensky já ministrou palestras e participou de simpósios, debates, mesas-redondas e conferências em quarenta países. É autor de oito livros, publicou mais de cem ensaios e seus textos foram traduzidos para onze idiomas. Sua formação acadêmica e carreira profissional incluem mestrados em Harvard e Yale, seis anos no Boston Consulting Group, desenvolvimento de jogos de software e ensino em todos os níveis. Os textos e a agenda de palestras de Marc Prensky podem ser encontrados em: http://marcprensky.com.
Para obter outras informações, consulte: http://global-future-education.org/; http://btwdatabase.org/; e http://bettertheirworld.org/.
Livro-reportagem apresenta a história de crianças sob uma nova face do trabalho na infância
Nos faróis, nos cemitérios, nas lanchonetes e nas plantações encontramos crianças e jovens que tentam sobreviver ganhando seu próprio dinheiro, seja para garantir o alimento do dia ou para ajudar a família. Visando humanizar uma das mais graves violações de direitos contra crianças e adolescentes, os jornalistas Bruna Ribeiro e Tiago Queiroz Luciano (fotos) apresentam em Meninos malabares – Retratos do trabalho infantil no Brasil dez histórias reais que retratam a vida daqueles que não tiveram outra opção além do trabalho na infância.
Conheça a história dos meninos malabares que equilibram cones e tochas de fogo em um desenho nas alturas, dos adolescentes que limpam túmulos nos cemitérios de São Paulo em busca de uns trocados, de um menino de oito anos que trabalha em uma plantação de palmitos, e como uma família de bolivianos conseguiu se libertar da escravidão em uma oficina de costura. As fotos que acompanham cada uma das histórias emocionam e escancaram a situação vivida pelas crianças.
A obra traz relatos sobre trabalho infantil na praia, na feira, na lanchonete, no Carnaval, além da mendicância durante a crise causada pela pandemia de Covid-19, seguida de uma verdadeira pandemia da fome. Os autores apresentam também a trajetória de uma família que, com muito esforço, conseguiu romper o ciclo da exploração. Os relatos revelam o trabalho infantil como consequência de um problema estrutural, exigindo políticas públicas intersetoriais que respondam às mazelas de um dos países mais desiguais do mundo. Ao final do livro os autores apresentam números, dados e contextualizações que podem contribuir para uma reflexão mais aprofundada sobre o assunto, com perspectiva histórica, jurídica, cultural e social.
O QUE É TRABALHO INFANTIL?
“Trabalho infantil é toda forma de trabalho realizado por crianças e adolescentes abaixo da idade mínima permitida pela legislação de cada país. No Brasil, é proibido para menores de dezesseis anos, mas se for noturno, perigoso ou insalubre, a proibição se estende aos dezoito anos. Na condição de aprendiz, a lei permite o trabalho protegido a partir de quatorze anos. Entre as causas do trabalho infantil estão a desigualdade social, o racismo estrutural e questões culturais. Como consequência, a violação expõe as crianças a violências físicas, psicológicas e sexuais, além de prejudicar a aprendizagem e causar evasão escolar, perpetuando a reprodução do ciclo da pobreza nas famílias.”
OS AUTORES
BRUNA RIBEIRO é graduada em jornalismo pela Universidade Metodista de São Paulo e pós-graduada em di-reito internacional na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), com extensão na Academia de Direito Internacional de Haia, na Holanda, aprofundando seu trabalho como repórter na área de educação e direitos humanos. Em 2015, depois de passar pelas redações do Jornal da Tarde, de O Estado de S. Paulo e da revista Veja São Paulo, lançou um blog sobre direitos de crianças e adolescentes no Estadão, que continua ativo. No ano seguinte, ingressou no projeto Criança Livre de Trabalho Infantil, da Cidade Escola Aprendiz, no qual atua como gestora. Em 2021 recebeu o prêmio Jornalista Amigo da Criança.
TIAGO QUEIROZ LUCIANO é formado em jornalismo pela PUC-SP e trabalha como repórter fotográfico no jornal O Estado de S. Paulo há quase vinte anos, onde desenvolve as mais diversas pautas para as várias editorias do periódico. Tem especial predileção por reportagens de personagens anônimos da cidade. Pautas que, muitas vezes, estão invisíveis nas chamadas dos principais noticiários. Em grandes coberturas, teve a oportunidade de fotografar tais anônimos, como no terremoto que devastou o Haiti, junto com o repórter João Paulo Charleaux, e em uma viagem pela Amazônia, onde refiz o trecho final de uma expedição centenária de Euclides da Cunha pelos limites entre Brasil e Peru, acompanhado pelo saudoso editor Daniel Piza. A viagem resultou no livro Amazônia de Euclides, publicado em 2010. Em 2020, ganhou o 37º Prêmio Direitos Humanos de Jornalismo.
O guia dos curiosos, almanaque com informações úteis e inúteis, escrito pelo jornalista Marcelo Duarte, comemorou 25 anos em 2020. O livro, que faz parte da memória afetiva de algumas gerações, virou uma coleção já com nove títulos. Por causa da pandemia, a edição comemorativa teve que esperar um pouco para sair. Agora, aos 26 anos, O guia dos curiosos – Edição Fora de Série acaba de ser lançado pela Panda Books. Por que “Edição Fora de Série”? O próprio Marcelo explica:
“Depois do livro de estreia, a série começou a ganhar volumes temáticos: Esportes, Invenções, Brasil, Língua Portuguesa, Jogos Olímpicos, Sexo, Curiosas e Copas do Mundo. A nova edição volta às origens, com curiosidades de diferentes temas”.
O autor elegeu 18 temas que poderão ganhar, no futuro, guias próprios. Os capítulos são: Cinema; Futebol; Nojeiras e Bizarrices; Dinheiro; Dinossauros; Línguas; Cultura Pop; Heróis; Música; Datas e Festas; Comidas; Religiões; Carros; HQs e Desenhos Animados; Tecnologia; Grandes Guerras; Mundo; e Esportes Americanos.
“Fora de série” também porque, pela primeira vez, O guia dos curiosos sai com uma edição totalmente colorida. A nova logomarca e o projeto gráfico são assinados pelos premiados designers Gustavo Piqueira e Samia Jacintho, da Casa Rex.
Por ser uma edição comemorativa, o autor usou toda a primeira parte de O guia dos curiosos – Edição Fora de Série para fazer um mergulho nas memórias dos bastidores da coleção. Marcelo conta como a ideia surgiu, quais foram os grandes (e os mais engraçados) desafios da pesquisa e como a marca começou a se multiplicar.
“Para vender a ideia do livro para a Companhia das Letras, enviei uma carta (carta mesmo, não havia e-mail e não sonhávamos com o WhatsApp) no começo de 1994 para o editor Luiz Schwarcz, que começava com três perguntas curiosas: ‘Qual é o tamanho do pescoço de uma girafa?’, ‘Quantos degraus tinha a forca de Tiradentes?’ e ‘Qual é a velocidade de um espirro?’. Em seguida, a carta discorria sobre a minha ideia. Duas semanas depois, ele me convidou pelo telefone para uma conversa. A editora ficava na rua Tupi, no bairro do Pacaembu, em São Paulo. Combinamos que eu teria um ano para escrever o livro. E como esse ano passou depressa!”
Uma das melhores histórias veio de O guia dos curiosos – Brasil, lançado em 2000, e mostra a obsessão atrás de uma curiosidade. Uma resposta a uma dúvida que aparece agora na nova edição, 22 anos depois:
“Quando estava escrevendo ‘O guia dos curiosos – Brasil’, descobri que o ator inglês Stan Laurel, o Magro da dupla O Gordo e o Magro, havia lutado com os pracinhas brasileiros em Monte Castello, na Itália, na Segunda Guerra Mundial. Ele era responsável pela ‘fábrica de fumaça’, uma engenhoca que mantinha o local da batalha sempre nublado. Com essa informação em mãos, tive a ideia de colocar o peso dos dois no livro. Pesquisei, pesquisei, pesquisei e só encontrei o peso do Gordo. Pedi ajuda até para a Biblioteca do Congresso de Washington, nos Estados Unidos, sem resultado. Anos depois, eis que a informação aparece. No auge da fama, o americano Oliver Hardy, o Gordo, pesava 127 quilos e media 1,85 metro. Stan Laurel tinha 52 quilos e 1,73 metro.”
O guia dos curiosos foi lançado em 10 de maio de 1995, na Livraria da Vila, no bairro de Vila Madalena. Foram vendidos naquela noite 116 exemplares. Nesses 25 anos, os nove títulos da coleção somam uma venda de 700 mil exemplares.
O que não mudou em O guia dos curiosos – Edição Fora de Série são as surpresas e as descobertas que Marcelo vai revelando em cada uma das 288 páginas. São curiosidades que talvez nunca tenham passado por sua cabeça. Ou até que já passaram e você não encontrou ninguém para respondê-las. Curiosidades que irão diverti-lo e informá-lo ao mesmo tempo.
Ah, com O guia dos curiosos, nenhuma pergunta fica sem resposta:
• O pescoço de uma girafa chega a medir 3 metros.
• A forca de Tiradentes tinha 21 degraus.
• Um espirro pode viajar a 160 km/h.
O primeiro contato foi um choque. “Eu me lembro que vi um monte de varais com roupas coloridas por todos os cantos em contraste com aquele chão carcomido, as paredes manchadas e o ambiente cinza”. Quando Flávia Ribeiro de Castro entrou na penitenciária feminina de Santos, havia cerca de 200 presas em um ambiente com capacidade para sessenta. Eram vinte mulheres para seis camas em uma cela. A primeira troca de olhares foi com Adriana Graças Pereira, a Xal. “Entrou alguém na cadeia Xal já ia para perto da grade. Ele era o jornal da cadeia, é um comunicador puro.
No livro “Xal – Órfã, Moradora de Rua, Prostituída, Presidiária e Milagre de Superação”, escrito em parceria com o jornalista Thales Guaracy e lançado pela Panda Books, Adriana diz que a sua vida mudou com a chegada de Flávia: “Ela foi capaz de construir um lar, um ambiente de acolhimento em, talvez, um dos locais menos acolhedores do mundo”.
Flávia Ribeiro de Castro é fundadora e presidente da ONG Casa Flores, instituição dedicada à ressocialização de mulheres que viveram a experiência do cárcere. A Casa Flores é também lar e a primeira experiência de refúgio para muitas delas. A Casa Flores oferece apoio social, educacional e de saúde. Tem mais uma parte que Flávia define como fundamental: o olho no olho, o café da tarde com bolo e a convivência dignos de um verdadeiro lar. Essa iniciativa impacta diretamente as famílias das pessoas atendidas e se estende às comunidades de onde vêm.
Livro Xal – Órfã, drogada, moradora de rua, prostituída, presidiária. E milagre de superação.
1. Amigas além do tempo
A Casa Flores nasceu de um encontro de amigas em 2016, logo depois de uma sessão de cinema do filme “Estrelas Além do Tempo”, história em que um grupo de matemáticas negras da NASA é obrigado a trabalhar à parte de outros engenheiros. “Eu tinha um contato com a Maria Laura Canineu, que estabeleceu a Human Rights Watch aqui no Brasil, também começando”, conta Flávia, que tinha lançado em 2011 um livro, “Flores do Cárcere”, com sua experiência na penitenciária de Santos. O livro explica como o amor, o respeito e a compaixão melhoraram a convivência das encarceradas, a ponto de muitas resolverem mudar de vida. As amigas passaram um ano pesquisando temas até que conversaram com a procuradora Berenice Gianella, que ficou à frente da Fundação Casa por doze anos. Chegaram à conclusão que o momento de maior vulnerabilidade era a saída do cárcere, onde não há qualquer tipo de atendimento.
2. Preconceito no aluguel
A ONG foi fundada oficialmente em 2018. O começo não foi sem dificuldades: tiveram o aluguel do espaço recusado várias vezes depois de revelar que a entidade ajudaria mulheres saídas do sistema prisional. “Lidar com todo esse preconceito é um dos lados difíceis”, explica Flávia. “A gente tem preconceitos que estão estruturados ou que, na verdade, estruturam a nossa sociedade. E essas falsas ideias atrapalham muito o nosso trabalho.”
3. Flores do cárcere
No ano seguinte, a Casa Flores lançou o documentário “Flores do cárcere”, onde algumas das egressas visitam o antigo “Segundinho”, penitenciária feminina de Santos-SP, desativada em 2014, por causa das más condições e da superlotação. À ocasião das gravações, Flávia reencontrou Xal: “Foi terrível. Ela estava morando na rua, numa tenda de plástico amarela, completamente drogada… No presídio, o chuveiro é frio, água é fria, mas ele está lá. Na rua não tem nada disso. Na rua é a calçada suja, a poluição, a chuva, o calor… é você viver completamente vulnerável, sem nenhum tipo de proteção: só com uma lona amarela. Xal vivia drogada com crack 24 horas por dia. Estava muito magra, quase sem mais nenhum dente. Nossa, foi horrível”
4. Abandonadas pelo Estado
A ONG tem atuado também em duas outras frentes: ativismo político, voltado à conscientização da realidade do sistema carcerário e das pessoas que ali estão, e produção de conteúdo, iniciativa que deu origem ao livro “Xal” e também ao documentário “Flores do cárcere”. Nenhuma participante do programa reingressou no sistema prisional. Mas a quantidade de pessoas atendidas é pequena. Há a esperança que, com a difusão dessas histórias, outras iniciativas semelhantes apareçam e o preconceito da sociedade diminua. Um terço das mulheres encarceradas sequer foram julgadas. A maioria é negra, de origem pobre, e processada por pequenos furtos ou envolvimento com o tráfico, onde usualmente são exploradas na ponta do trabalho, têm envolvimento com um traficante e são dependentes químicas. “Se um de nossos filhos errou e fez uma bobagem, o que queremos pra ele? É assim que as pessoas precisam pensar. E é assim que um governo deveria pensar. O governo não olhou para essas crianças em nenhuma das fases importantes da vida delas. Então não pode dar certo isso.”.
5. Bichinhos assustados
O trabalho com mulheres egressas do sistema prisional não foi o seu primeiro. Foi durante quatro anos diretora voluntária de um abrigo de crianças na cidade de São Paulo. Observou as crianças que chegavam “como bichinhos assustados”, muitas vezes sem sequer falar: vindas da vida na rua, do completo abandono e do consumo de drogas, sem documento ou nome que as identificasse. Ao constatar que isso era fruto em vários casos de uma mãe
encarcerada, quis entender o que poderia ser feito antes, para evitar esse abandono e solidão. O abandono paterno é frequente no Brasil e toda a responsabilidade é posta sobre a mulher.
Na infância, Flávia conta que estudou em colégios particulares e ajudava a madrinha, diretora de escola pública, a dar aulas de reforço nos fins de semana. Recorda-se também da mãe que, ao ouvir uma criança batendo no portão para pedir comida, a punha para dentro, a alimentava, dava-lhe banho e só depois ligava para o tio, que trabalhava no Juizado de Menores. “Quando era pequenininha, eu mudei de escola”, conta. “Nessa escola nova tinha uma casinha de madeira. Todo recreio eu ia lá para arrumar as coisas que estavam desarrumadas naquele larzinho. Para mim, lar é o símbolo de meu lugar do mundo, o espaço em que recebo afeto”.
Alimentada por todas essas experiências, Flávia repete até hoje o gesto de consertar outros larzinhos.
A Panda Books abriu sua nova coleção de Clássicos em Língua Estrangeira com um dos títulos mais controversos e interessantes do século XIX: “O Retrato de Dorian Gray”, do irlandês Oscar Wilde. O texto de 1890 ganhou nova tradução do jornalista, crítico e tradutor José Geraldo Couto e conta também com os já consagrados e divertidos comentários e notas da jornalista, escritora e pesquisadora Fátima Mesquita. A pedido do Panda News, Fátima fez uma apresentação da edição:
“O cenário é a Inglaterra Vitoriana do século XIX e a trama gira em torno de Dorian, um narciso que se encantou com a própria imagem e ansiou pela eterna juventude, milagrosamente ou amaldiçoadamente a conseguindo. Hedonista, Dorian vivia pelos prazeres da vida, degradando-se moralmente com o decorrer do tempo.
“O prefácio da obra é uma digressão de Wilde acerca da arte, do artista e da utilidade de ambos, encerrado com a conclusão: “A arte é perfeitamente inútil”. O movimento esteticista da época, crítico ao utilitarismo da Revolução Industrial, por vezes interpretou essa busca do belo e da felicidade como verdades absolutas, enquanto o desenvolvimento da trama se assemelha mais a um aviso de cautela a esse modo de vida. As discussões presentes na obra permanecem atuais e relevantes, numa sociedade de vidas perfeitas no Instagram e trabalhos alienantes da realidade: o culto extremo à beleza e à imagem, as consequências de uma vida centrada nos prazeres ou em sua ausência.
“A obra e seu autor foram alvo de diversas polêmicas. O que mais me atrai no Oscar Wilde é a ousadia. Dá pra imaginar como ele arrasava onde quer que fosse? E ele era esse abusado e amostrado dentro e fora, né, porque se vestia e se comportava e escrevia e conversava e vivia na boca do abismo, de verdade e com intensidade máxima. E ele tinha essa coisa quase mágica de não ficar dourando pílulas, mas ao mesmo tempo se expressar sempre como uma purpurina ambulante.”
Quando, há dez anos, eu e o Luís Flávio Fernandes lançamos o livro “Enciclonérdia”, essa frase estava no âmago de nossas pesquisas. Como dissemos na introdução a esse almanaque de cultura nerd, o mundo se nerdifica a cada segundo que passa… Pois nerdice é curiosidade, é busca de conhecimento; e conhecimento é não apenas poder, como diversão – e mais gente com a marca da curiosidade e da nerdice continua nascendo e crescendo por aí.
Dez anos depois do lançamento, depois de milhares de exemplares vendidos e um spin-off, o jogo de cards “Nerd Quiz”, esses conceitos não desapareceram, mas prosperaram (afinal teremos Vida Longa e Próspera, como profetizou um vulcano). Muita coisa mudou, naturalmente; novos seriados, games e tecnologias nerds surgiram, pois esse é o curso natural das coisas. O mundo se tornou mais paranoico, com a chegada da pandemia de 2020 e a saída do armário (ou das profundezas em que se ocultavam) de criaturas que não gostam de ciência, não têm curiosidade e não buscam o conhecimento; sabemos que sempre existiram anti-nerds, e sempre existirão, claro.
Porém, a nerdificação da humanidade é um processo irreversível; e os que se isolaram em busca de segurança contra o vírus atual (e os que virão) encontraram e encontram apoio nos livros, nos quadrinhos, nos jogos, nos seriados, na pesquisa, na música, na arte, na tecnologia e na cultura. Se sobrevivemos em isolamento foi graças a nerds que, um dia, sonharam conceitos revolucionários como plataformas de comunicação remota, celulares inteligentes, algoritmos, streaming,bluetooth e outras nerdices… Ainda nos falta o teletransporte – mas, do jeito que a coisa vai, não duvido de que logo estejamos dizendo “Beam me up, Scotty” em um comunicador subcutâneo.
Comemoremos, pois, estes dez anos de nossa “Enciclonérdia” lembrando que, sim, por mais que os antinerds, anticuriosos e anticiência ainda existam, somos nós, nerds e geeks, que herdaremos a Terra.
O mês de março marcou o novo lançamento da Panda Books: Quero um abraço!, de Lisa Whitfield. O título retoma o formato livro presente, muito popular no início dos anos 2000. “Desde o início de 2020, estamos sem uma afetividade próxima, só podemos nos tocar com o punho ou com o cotovelo. Decidimos falar sobre a importância do abraço, que vai muito além da pandemia”, conta a diretora comercial da editora e autora Patth Pachas.
O responsável pelo sucesso do gênero na virada do século foi Bradley Trevor Greive, um autor repleto de experiências de vida. Nascido na Tasmânia, em 1970, ele foi morar com a família na Austrália aos 10 anos de idade, depois de terem passado por: Inglaterra, Escócia, Hong Kong e Cingapura. Bradley cresceu, venceu o medo de altura e se tornou paraquedista do exército australiano. Ele deixou as Forças Armadas depois de uma séria infecção no pulmão contraída durante um treinamento.
Livros-presente ainda em catálogo na Panda Books.
Foi no ano 2000 que o autor lançou Um dia “daqueles” (The Blue Day Book). O livro utilizava fotos de animais e textos curtos para falar sobre um dia exaustivo. No mesmo ano ele chegou ao Brasil pela Editora Sextante. Por aqui, o título vendeu 1,2 milhão de exemplares. Também foi publicado em outros 114 países e ultrapassou a marca de 25 milhões de livros vendidos. Bradley foi condecorado com o prêmio Ordem da Austrália pelo serviço prestado à literatura e à vida selvagem.
Livros-presente ainda em catálogo na Panda Books.
O primeiro livro-presente da Panda Books foi Viva feliz, que chegou às livrarias em 2002. Seguindo a fórmula do gênero, apresentava fotos de crianças e frases motivadoras. A Panda lançou outros 10 livros-presente e continua com sete em catálogo: Amo você!; Falando com Deus; Mamãe eu super te amo!; Obrigado, doutor!; Pai, você é o maior!; Querida vovó; Sonhar e realizar é só começar. Eles venderam um total de 320 mil exemplares. Jornalista de formação e autora de Sonhar e realizar é só começar, Patth sempre se dedicou mais ao empreendedorismo do que aos textos e gostou da experiência: “Acho que fiz bem e foi gostoso escrever. Entrar nessa área lúdica foi uma experiência muito rica”.
Livros-presente ainda em catálogo na Panda Books.
O lançamento Quero um abraço! retoma o estilo com imagens emocionantes e textos simples. Ele mescla crianças e bichos para falar sobre os diferentes tipos de abraços e pessoas com quem podem ser divididos. O formato permite que o livro seja um presente, independentemente do tipo de relação que se tenha com quem recebê-lo. A ideia central é celebrar o amor, o carinho e a gratidão expressos nesse gesto que é simples e poderoso ao mesmo tempo.
O radialista e professor universitário Marcelo Abud é um dos pioneiros na produção de podcasts no Brasil. O formato surgiu nos Estados Unidos em 2004. Marcelo conheceu a nova ferramenta em reportagens que saíram na imprensa. Começou a estudá-la e fez especialização em 2007, quando pesquisou a possibilidade de ser usada como meio de interação entre professores e alunos. Também é responsável há nove anos pelo podcast Instituto Claro, um dos mais importantes em educação no Brasil.
Como os professores usam podcasts com os alunos?
Na FAAP, faculdade onde trabalho, os docentes já indicaram podcasts ou para que os alunos os produzam. É uma ferramenta que chegou às escolas. Da mesma forma que indicamos um bom livro podemos sugerir podcasts – ou utilizar os dois, se houver complemento. O audiolivro também é uma ferramenta muito boa. Quando os professores discutem um assunto, podem recomendar um podcast sobre ele. É possível introduzir o tema na classe, sugerir que os alunos busquem o conteúdo de uma forma interessante e organizar um debate na aula seguinte.
Você tem algum exemplo recente de podcast que faz isso?
Tem um projeto inovador da escola La Fontaine, em Jundiaí, interior de São Paulo, feito pelo educador, escritor e contador de histórias Giba Pedroza. Acredito que tenha parado durante a pandemia. Ele criava regularmente radionovelas com os alunos. O Giba reunia professores e estudantes, entendia quais histórias queriam contar e construía tudo com eles. As crianças pensavam em como criar sons. Por exemplo, quando precisava de uma campainha, eles não baixavam o áudio da internet. Criavam aquele som por meios próprios.
Como a questão das fake news pode ser levada para a sala de aula?
Podemos usar a Revolta da Vacina como exemplo. Em 1904, a população do Rio de Janeiro acreditava que, se tomasse a vacina contra a varíola, viraria vaca. E agora temos o jacaré. Essa situação cria um interesse na criançada quando o professor fala sobre assunto. E tem todo um plano de fundo: foi justamente a desinformação que gerou a Revolta da Vacina, além de questões sociais. Acredito que fazer um paralelo entre a história da vaca e a do jacaré é uma forma de gerar um exercício. Dá para buscar podcasts que falem do assunto, desenvolver a narrativa, fazer uma reportagem, contar a história no formato de radionovela ou criar um boletim de 1 minuto. Tudo depende muito mais do professor do que de fórmulas. Cada um vai encontrar aquilo que seja melhor para aplicar e despertar interesse nos alunos. A liberdade é o que o podcast tem de mais rico para aplicação em sala de aula.
Qual é a importância de um projeto que une livro e podcast como o Esquadrão Curioso – Caçadores de fake news, de Marcelo Duarte?
Os formatos podem ser completares. Cada um tem a sua importância, mas, quando ouço, quero conhecer os personagens no livro, ver como são descritos e o que fazem. Quando leio a história, penso como seriam os personagens em uma ação fora dela. Então, tenho um complemento – isso é chamado de transmídia. O importante é saber o papel de cada formato e respeitá-lo. Se fosse feita apenas a leitura do livro, o podcast teria uma relevância, mas ele ofereceria menos do que pode.
Em 6 de fevereiro, Tino Freitas, autor de Um abraço passo a passo, estava em completa alegria: uma máquina de escrever vermelha chegou em sua casa. Cheia de estilo e em ótima forma, a Olivetti Valentine logo pousou para fotos e fez sucesso no Instagram. As máquinas foram comuns até meados da década de 1990, quando passaram a ser substituídas por computadores. O século XX pode parecer distante olhando assim, mas conversamos com quatro autores que começaram suas carreiras batendo nas teclas – literalmente.
Tino Freitas
Ganhei a primeira máquina do meu pai nos anos 1980. Gostava de escrever poemas românticos nela na adolescência. Usei pouco, porque logo tivemos um computador em casa. Cursei jornalismo, mas fui músico até me tornar escritor em 2009. Então, durante um passeio pelo Rio de Janeiro, encontrei uma Remington Noiseless antiga, que era portátil, uma espécie de notebook do final da Segunda Guerra. Comprei e gosto de levar para visitas em escolas. As crianças adoram conhecer. Na virada deste ano tive vontade de voltar às máquinas para escrever meu próximo livro, que se passará na Idade Média. A Remington funciona, mas é muito antiga, e prefiro preservá-la. Pesquisei até chegar a um colecionador conhecido como “Sergio Type”. Ele me apresentou a Valentine e eu fiquei louco. O modelo foi criado em 1968 pelo austríaco Ettore Sottsass e pelo britânico Perry King. Os dois foram premiados pelo trabalho, e até hoje há uma unidade em exposição no MoMA, o Museu de Arte Moderna de Nova York. Ainda estou me acostumando aos mecanismos, mas tenho certeza de que terei uma história afetiva com ela.
Ivan Jaf, autor de Jahú; E desaparecemos um no outro; Conde drácula e outros vampiros; e Frankenstein e outros mortos vivos
Tinha o sonho de ser fotógrafo na juventude e era hippie – estava sempre em um lugar diferente. Na década de 1970, fui para Londres e encontrei uma máquina de escrever em uma feira de antiguidades. Comecei a fazer poemas nela e mudei a minha vida – descobri que era escritor. Ela era pequena, portátil, e eu gostava de máquinas assim, porque colocava na mochila e levava para onde ia. Escrevi nelas até o ano 2000. A última com que trabalhei foi uma Lexikon 80 – com essa eu não viajava. Ela é feita de aço, deve pesar 30 quilos, mas parece uma tonelada, é um bicho que dura para sempre. Tenho as pontas dos dedos quadradas de tanto bater nas teclas. Bater mesmo, literalmente. Quando a linha chegava ao fim, ainda precisava dar um tapa em uma alavanca para voltar ao outro lado do papel. A cada 30 linhas era necessário trocar de folha em pleno processo criativo. Era um confronto com o bicho e tinha muito barulho. No final, você sentia cansaço físico, não só mental. Não tenho saudade de usar a máquina, mas sinto falta de me relacionar com um objeto que compreendo. Eu mesmo fazia manutenções. No máximo, levava em mecânica de bicicleta para usar o jato de ar comprimido e limpar os mecanismos.
Ivan Jaf e sua Lexikon 80.
Regina Drummond, autora de Quando tudo muda e Lobisomem e outros seres da escuridão
Eu comecei a escrever na adolescência, quando fazia tudo à mão. Já não lembro mais se foi no meu aniversário de 20 ou de 21 anos que ganhei minha primeira máquina do meu então marido. Era bem pequena, portátil, tinha uma caixa para colocá-la dentro e carregar, como a Valentine. O que eu lembro é que chegava a doer o dedo – tinha que bater com força, era uma patada! Adorava a minha máquina, mas quando mudei para a Alemanha, precisei me desfazer dela. Meu primeiro livro, Aquarela Infantil, foi escrito na máquina de escrever, chamava Aquarela Infantil. Ele era bem feio e, para piorar, fazia parte de uma coleção de obras coloridas em que só ele era preto e branco. Apesar disso, é muito especial, pois foi como tudo começou.
Madalena Monteiro, autora de O veado e o sapo e O filho do caçador e outras histórias-dilema da África
Sou de uma família bastante pobre e a gente precisava fazer o curso de datilografia, porque poderia ajudar a arrumar trabalho logo que terminasse o ginásio, (atual Ensino Médio). Então, fiz o curso e meu pai comprou uma máquina de escrever. Lembro dos exercícios em que repetíamos sequências de letras, como “a, s, d, f, g”, cada uma com um dedo, do mindinho ao polegar. Parecia que aquilo ativava músculos da mão que a gente não usava para mais nada – não tínhamos computador e celular. Quando digitava uma letra errada, precisava pegar um papel pequeno e branco que era colocado em cima dela. Então, batia a letra novamente para apagar e, em seu lugar, escrevia a correta. Quando me tornei professora, fiz um investimento e comprei uma máquina elétrica para escrever relatórios de alunos – era bem mais rápido do que na mecânica.