Depois de 12 anos de pesquisa, Tiago José Berg apresenta a obra mais completa sobre o tema: “Eram 90 anos sem uma publicação com esse peso”
Desde cedo, Tiago José Berg, 38 anos, paulista de Cordeirópolis, sonhava em viajar o mundo e gostava de observar as bandeiras dos países em um atlas. Nada muito diferente do interesse de qualquer criança. Até que veio a Copa do Mundo de 1998. Encantado com as traduções dos hinos dos países nas transmissões de TV, o menino de 14 anos começou a estudar o tema. “Eu escrevia para embaixadas e consulados para conseguir informações”, conta. “Tenho até hoje os envelopes de cerca de 140 embaixadas”. Em 2006, Berg passou a amadurecer a ideia de transformar todo esse trabalho de pesquisa em um livro. “Hinos de todos os países do mundo” foi lançado pela Panda Books em 2008. Na esteira desse sucesso, veio o segundo: “Bandeiras de todos os países do mundo”, em 2013.
Agora, a Panda Books publica “Símbolo do Brasil”, uma reunião de bandeiras, brasões e hinos do Brasil, dos estados brasileiros e das capitais de cada unidade da federação. Além dos símbolos vigentes, o livro traz outros símbolos históricos como os brasões dados pelos holandeses às capitanias hereditárias do Nordeste, a bandeira de São Luís na época de sua fundação e projetos que não vingaram para a bandeira do Brasil: “Fiz uma seleção de conteúdo que fosse significativo para as pessoas”, resume ele, formado em Geografia pela Universidade Estadual Paulista.
Muito mais do que um banco de dados de imagens, Berg executou um trabalho que ele próprio resume como “desafiador”. A partir da descrição técnica que consta nos projetos de lei que homologaram as bandeiras e brasões, ele redesenhou no computador boa parte desses símbolos. Sua ideia, com isso, era corrigir distorções ou preencher lacunas que constavam até mesmo nos sites oficiais de governos e prefeituras. “Tinha a frustração de ver um desenho e não saber o que era. Queria que as pessoas percebessem a beleza do material: que a folha de café fosse a mais realista possível, que as bolinhas dos frutos de laranjeiras fossem fiéis… Um exemplo: o brasão do Amazonas tem uma cornucópia [vaso em forma de chifre] cheios de frutas, flores, moedas… Procurei trazer esses detalhes para que as pessoas vissem exatamente o que estavam lendo na descrição”, explica.
Aqui a entrevista de Tiago José Berg para o “Panda News”:
Você já estuda bandeiras, hinos e brasões há muito tempo. Quando foi que surgiu especificamente a ideia de reunir essas informações sobre os estados e capitais brasileiras em um livro?
Percebi que não havia um livro que compilasse informações sobre os nossos símbolos. Na verdade, o último livro a abordar esse assunto com ilustrações era de 1933: “Brazões e Bandeiras do Brasil”, de Clóvis Ribeiro. Mas ele não tinha os hinos. Minha ideia foi preencher esse vácuo de 90 anos sem uma publicação de peso e sem um material pensado de forma didática para apresentar mais sobre os nossos hinos, bandeiras e brasões. Foi um trabalho de pesquisa que começou de 2009 para 2010 e durou 12 anos.
Que tipo de informações você levantou durante todo esse processo?
Em primeiro lugar, uma descrição da bandeira e do brasão de cada Estado e do Brasil. Também as letras e as partituras de cada hino porque quem tem o dom da música vai ter muito interesse em tocar os hinos. Inicialmente, escrevi para secretarias de cultura, governos e assembleias legislativas, pedindo essas informações. Percebi que havia uma discrepância muito grande entre lugares com materiais muito bons e outros que não tinham quase nada além do “procura no site”. O que havia no site era um brasão bem pequenininho… E me deparei com outro problema: geralmente as imagens são feitas por terceiros ou mesmo por pessoas com boa vontade, mas que não tinham a riqueza de detalhes que eu precisava. Alguns símbolos, portanto, perderam o sentido original em relação ao que dizia a lei. Eu revi todas as leis e redesenhei praticamente 90% dos brasões e 50% das bandeiras que estão no livro.
Qual foi o estado ou a capital que lhe deu mais trabalho?
Tive muita dificuldade com Boa Vista. Até pouco tempo, eles usavam uma imagem com a inscrição “Território federal de Roraima” (título carregado até 1988, quando Roraima se tornou um estado). Eu ligava para lá e as pessoas não sabiam me dar informação nenhuma. Só em 2019 começou a melhorar. Em outro caso, uma colega da pós-graduação amapaense conseguiu, em uma viagem ao Amapá, ir à Biblioteca Municipal e fazer uma cópia do brasão de Macapá com o texto da lei. E aí eu consegui redesenhar. Outro caso interessante foi o de São Luís: eu tinha o brasão, mas não a descrição da lei. A avó de um colega que morava lá me mandou uma cópia de um encarte da Academia Maranhense de Letras com a descrição.
No caso dos hinos, foi preciso reescrever partituras também?
Sim, foi outro caso complexo. Muitos estados têm partituras disponíveis principalmente para bandas de polícias militares. Mas partituras para piano, que são as mais comuns, nem todo Estado tem. Fiquei em dúvida sobre qual partitura usar. Acabei escolhendo as partituras para canto, que foram as que eu encontrei em todos os estados. Como as fontes são diferentes, eu precisei usar um programa de digitalização para escrever algumas. Tive aula de teclado por muitos anos, então acredito não ter tido muitos problemas nesse sentido.]
Por que algumas capitais não têm hino, como São Paulo, ou adotaram músicas populares, como o “Cidade Maravilhosa” do Rio de Janeiro?
É uma questão cultural. Em muitos lugares, o hino surge de uma tradição popular e acaba sendo adotado como um símbolo oficial. Mas algumas capitais de fato não têm. Belo Horizonte é uma delas. No caso da cidade de São Paulo, nas comemorações do IV Centenário, a cidade não tinha bandeira. Só usava o brasão. A bandeira nasce um pouco depois, quando o brasão é estampado num retângulo branco. Ela só vai ganhar contornos oficiais na década de 1970, com o brasão readaptado. Depois, em 1987, ela ganha o desenho atual.
No Brasil, não existe uma lei que sistematize esses símbolos. Não existe lei que obrigue uma cidade ou um estado a ter um brasão, uma bandeira ou um hino. É facultativo. Muitos adotam por costume, por observar outro estado. Esses símbolos regionais só foram vetados no Estado Novo de Getúlio Vargas – ele tinha o receio de que eles alimentassem movimentos separatistas. Somando todos esses fatores, temos brasões que respeitam as normas heráldicas e outros que não respeitam. O de Sergipe, por exemplo, não tem nem um escudo, que é um princípio básico para qualquer brasão.