O saber maior é o da criança

Educadora empoderou os alunos para as decisões do dia a dia da escola, colecionou prêmios, aplausos e experiências relatadas em livro

 

A educadora Marcia Corvelo Harmbach tinha vinte anos de carreira quando, em 2012, iniciou a sua jornada como diretora na Escola Municipal de Educação Infantil Dona Leopoldina, na zona oeste de São Paulo. Formada em letras e pedagogia e especialista em psicopedagogia pela Pontifícia Universidade Católica da capital paulista, ela já havia trabalhado em um setor especialmente dedicado à formação de professores durante a gestão de Paulo Freire na Secretaria Municipal de Educação de São Paulo na década de 1990.

Durante todo este tempo, uma questão em especial incomodava Marcia: uma espécie de “adultocentrismo”, que concentrava todas as decisões que impactavam a vida e o dia a dia das crianças nos adultos. Decidiu criar pequenos conselhos para que seus alunos pudessem ter voz para conduzir a rotina na sala de aula: “Envolvi as crianças em todos os planejamentos e avaliações do cotidiano escolar”, explica. “Ao me tornar diretora, esse foi meu principal instrumento metodológico na gestão”.

A percepção e a ideia são próprias, mas foram embasados no trabalho de dois baluartes da educação no mundo: o brasileiro Paulo Freire, aquele mesmo com quem Marcia havia trabalhado na Secretaria vinte anos antes; e o italiano Francesco Tonucci, hoje com 82 anos, grande defensor da ideia de que um olhar atento para a infância pode mudar os rumos das cidades. “Ao ter contato com as teorias deles, comecei a refletir sobre a importância da escuta e participação de todos os envolvidos no processo educativo”, lembra a educadora.

Com um pouco de teoria, muito estudo, um olhar incomodado para as normas vigentes, uma cabeça aberta para novas ideias e um fôlego incansável para transformar uma das muitas escolas de educação infantil da maior cidade da América Latina, Marcia começou a desenvolver a experiência que agora está registrada no livro “Gestão Democrática – Minúcias, dizeres e fazeres do conselho mirim na educação infantil”, lançado pela Panda Books. Ao longo de dez anos à frente da EMEI Dona Leopoldina, ela desenvolveu mutirões para ouvir as demandas de pais e alunos e conduziu trabalhos coletivos para a reforma e construção de hortas, ateliês, bosques, parquinhos e salas de aula: “Não foi tão tranquilo por parte dos adultos no início”, admite ela. “Mas, depois de poucos meses, toda a comunidade estava envolvida. É impossível fazer um trabalho assim sem o envolvimento de todos: famílias, educadores, gestores, parceiros”.

Marcia garante que implementar o conselho, em si, não exigiu nenhum recurso financeiro adicional – por mais que as crianças muitas vezes tenham solicitado o direito de opinar sobre a destinação dos recursos dos quais a escola dispunha. O Conselho se reunia mensalmente para discutir as ações levantadas pelas crianças e, assim, os adultos percebiam concretamente toda a potência delas. “Os alunos levantavam hipóteses e sugestões muitas vezes mais criativas e factíveis para os problemas do cotidiano”, recorda.

Para a educadora, a experiência é um bom exemplo de aproximação entre teoria e prática. Foi justamente a partir dessa premissa que a experiência da EMEI Dona Leopoldina entrou na rota da Panda Books. O título faz parte da Série “Práticas Inspiradoras”, que une bases teóricas com resultados empíricos para aquecer o debate sobre educação no Brasil. A série faz parte do selo Panda Educação, criado para agrupar livros dedicados à formação de novos educadores.

Na outra ponta dessa parceria, Marcia celebra a oportunidade de poder registrar nas prateleiras das livrarias os resultados grandiosos de sua experiência nessa escola: “O registro é fundamental para dar visibilidade às vozes infantis e para a concretude da teoria participativa na prática cotidiana”. Ela classifica o livro como “um instrumento para o protagonismo infantil como potência, e não como um saber menor como a história sempre autenticou até pouco tempo”. E ampara essa ideia na Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, adotada em 1989, que diz em seu artigo 12 que “a criança tem o direito de expressar suas opiniões livremente sobre todos os assuntos relacionados a ela” e “deve ter a oportunidade de ser ouvida em todos os processos judiciais ou administrativos que a afetem”.

Foi assim que os pequenos alunos da EMEI Dona Leopoldina detectaram problemas estruturais não apenas na escola como em toda a vizinhança. A escola está cercada por uma vasta área verde. Em um dos passeios, os alunos perceberam que vizinhos do outro lado da rua estavam despejando lixo na calçada da escola. Para não recorrer novamente em reclamações com o vigia da rua, pensaram em novas sugestões: “Entregar cartas nas casas vizinhas”, falou Rodrigo, de 4 anos; Isaac, de 5, apostou no didatismo: “Vamos explicar que lixo na rua pode provocar enchentes”; uma tática mais sutil que a de Valentim, também com 5 anos, que jogou suas fichas no constrangimento: “Quando o vizinho colocar lixo, um alto-falante avisa que não pode”; já Vitória, de 4 anos, e Helena, de 5, preferiram acreditar na boa vontade da comunidade e sugeriram distribuição de saquinhos de lixo nos muros da escola e a instalação de placas educativas pela rua.

De alguma forma, o livro é mais um reconhecimento para todos os envolvidos nessa empreitada da EMEI Dona Leopoldina. A escola ganhou oito prêmios, quatro deles voltados para a ideia dos conselhos: o Prêmio Paulo Freire de Qualidade do Ensino Municipal, da Câmara Municipal de São Paulo; o Prêmio Nacional de Projetos com Participação Infantil, do Centro de Criação de Imagem Popular; o Prêmio Territórios, do Instituto Tomie Ohtake; e o Prêmio Escola – Lugar de cultura, brincadeira e diversidade, parceria da Universidade Federal do Ceará com o Ministério da Educação.

Isso sem contar as dezenas de palestras no Brasil e no exterior para falar sobre o projeto, que inspirou também a criação de um Conselho Mirim na própria Câmara dos Vereadores de São Paulo – e que tem entre seus conselheiros dois alunos da EMEI Dona Leopoldina. Nada mal para quem passou mais de uma década lamentando que a ideia dos conselhos gestores, iniciada pela gestão Paulo Freire na secretaria de educação lá na virada da década de 1980 para a década de 1990, tenha sido descontinuada pelos seus sucessores. O reconhecimento maior, no entanto, virá sempre daqueles que sempre foram o alvo de todas as mudanças, mas que até então jamais tinham tido a oportunidade de serem mais do que passageiros das decisões tomadas pelos outros: “Neste livro, o saber maior é o da criança, minha grande mestra no ofício de aprender e ensinar”.

“As crianças gostam de boas histórias. Simples assim!”

Autor de “Pra que essa boca tão grande?”, Tino Freitas explica por que os contos de fadas continuam conquistando crianças há tantas gerações

 

“Vovó, qual é a senha do wi-fi?”, pergunta Chapeuzinho Vermelho em “Pra que essa boca tão grande?”, lançamento infantojuvenil da Panda Books. A brincadeira é uma das marcas do trabalho de Tino Freitas, autor cearense que, em menos de 15 anos de carreira como escritor, já publicou trinta livros – e faturou prêmios como o aclamado Jabuti e o Selo Altamente Recomendável da FNLIJ (Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil).

Na Panda Books, Tino estreou com “Um abraço passo a passo”, que ganhou também a versão em inglês “Little steps to a big hug”. Agora, chegou a vez dessa releitura da clássica história da Chapeuzinho Vermelho. Embora a versão mais famosa seja a dos irmãos alemães Jacob e Wilhelm Grimm, Tino embasou a sua versão naquela que é a mais antiga história de Chapeuzinho Vermelho já registrada – a do francês Charles Perrault, escrita no final do século XVII.

Ele aposta num texto leve, bem-humorado e criativo, todo ilustrado por Raquel Matsushita, para preservar a força de uma das histórias mais conhecidas do mundo também para as crianças de hoje. Por falar nas ilustrações, cada página é uma espécie de moldura de página. É um livro dentro de um livro para o leitor olhar em perspectiva o olho do narrador sobre o livro que ele está folheando.

Tecnicamente, contos de fadas são histórias irreais, em geral com finais felizes, e marcadas também por grandes ensinamentos. Por causa disso, é difícil definir com precisão desde quando eles são publicados – há quem encontre histórias com essa estrutura datadas de mais de 6 mil anos.

A exemplo da Chapeuzinho Vermelho do livro, nós também somos muito perguntadores. Tem um monte de coisas que queremos saber do Tino:

 

Por que os contos de fadas ainda são fonte de inspiração para autores contemporâneos como você?

Os contos de fadas refletiam o cotidiano dos aldeões da Europa nos séculos XVII e XVIII. Falavam sobre o que nos torna humanos: o medo, a raiva, o desejo, o amor, a fome, a inveja. Os anos passam, mas seguimos humanos com as mesmas qualidades e os mesmos defeitos. Aquelas histórias curtas, em que o maravilhoso e o fantástico podem trazer a sorte ou o azar, delimitando o destino de personagens tão humanos quanto a gente, seguem emocionando leitores de todas as idades. São um espelho da humanidade e mantêm nosso sonho vivo. O sonho de encontrar a felicidade – seja lá o que seja isso. É inspiração para qualquer um que deseje contar boas histórias para crianças.

 

 

Depois de tanto tempo e de tantas mudanças geracionais, as “morais das histórias” continuam funcionando?

Muitos dos contos de fadas não tinham essa preocupação moral. Alguns dos contos franceses publicados no final do século XVII, por exemplo, falavam mais sobre esperteza do que sobre virtude. Prefiro essas histórias. Em “Contos de Outrora”, Charles Perrault inseriu essas morais ao final de cada um dos contos populares – o que não aparece de forma explícita nos contos que os Irmãos Grimm publicariam 115 anos depois. Entendo que haja a necessidade de ensinar por meio de histórias. E que, principalmente, a escola busca alguma didatização a partir delas. Mas acho que a gente aprende mais quando esses “sentidos” estão ocultos, inseridos no conto de uma forma em que o leitor construa a sua verdade e a sua moral.

 

Como é o seu processo de criação em cima de uma história clássica?

Estudei bastante a versão do Charles Perrault para escrever “Pra que essa boca tão grande?”. Foi a primeira vez em que Chapeuzinho Vermelho apareceu num livro. Ela serviu de base para escrever essa nova história e eu fui pensando em algum “espaço” que eu pudesse preencher com alguma originalidade. As perguntas que o Perrault faz são distintas das que os Irmãos Grimm pontuaram com mais ênfase nos sentidos. Então, lembrei que há uma fase nas crianças, ali entre os 5 e os 7 anos, em que se pergunta tudo. Pensei que esse seria o espaço para contar uma “nova” história e fui me colocando no lugar dessa criança de hoje. O wi-fi é o “cafezinho” de antigamente. A pessoa chega na casa da gente e já quer a senha, né? É uma forma de dizer “sinto-me em casa”. Assim eu fui escolhendo as novas perguntas.

 

Como foi o trabalho com a ilustradora Raquel Matsushita?

Trabalhar com a Raquel foi maravilhoso. Numa conversa prévia, apresentei a ela o universo dos contos de fadas, que estudo há anos na perspectiva dos livros publicados até o início do século XX. Começamos pelo manuscrito do livro do Perrault, que é uma joia escondida na internet. Ela “pescou” o manuscrito e veio com esse conceito de um livro dentro do outro – e usou as páginas do manuscrito, editadas, para contar a nossa história. Há outros “segredos”: o número da casa, que é o ano da publicação do livro original, as ilustrações nos quadros da casa da vovó [que são inspiradas ou reproduzem desenhos de algumas das mais famosas versões do conto]. Esses “paratextos”, que muitos não captam de imediato, são como camadas de leitura que oferecemos ao leitor. Um carinho a mais àqueles que desejarem retomar mais e mais vezes a história.

 

As crianças gostam de ver elementos modernos em histórias que elas conhecem de outro modo?

Se compararmos a leitura de uma história com um passeio na montanha-russa, podemos “ler” de duas formas. O primeiro passeio é surpreendente. Depois, seguimos dando voltas e mais voltas na pista, já sabendo que depois daquela curva virá uma pirueta que vai deixar todo mundo de cabelo em pé e com frio na barriga. A segunda é como se voltássemos ao parque depois de uma reforma. A montanha-russa é quase a mesma. Mas, em vez de uma pirueta, são duas e a pista dá uma nova guinada para a esquerda antes de chegar ao final. As crianças se divertem do mesmo modo. E, depois da surpresa do novo percurso, darão mais voltas e voltas. Sem surpresas, mas, mesmo assim, mantendo o cabelo em pé e aquele frio na barriga. No final, as crianças gostam de boas histórias. Simples assim!

10 curiosidades sobre “A Escrava Isaura”

Livro de Bernardo Guimarães, 12º da coleção de clássicos da Panda Books, colocou a causa abolicionista no centro do debate no Brasil ainda imperial

“A Escrava Isaura”, o maior sucesso do escritor mineiro Bernardo Guimarães, marcou época na literatura, ganhou o cinema e rodou o mundo em formato de telenovela. Agora, em nova edição publicada pela Panda Books, a obra ganha o auxílio das luxuosas notas informativas e parágrafos explicativos da também mineira Fátima Mesquita. Ela também contextualiza eventos históricos, situa a obra dentro do debate sobre a abolição dos escravizados no Brasil no último quarto do século XIX e “traduz” palavras que caíram em desuso com o passar dos últimos 140 anos.

Confira 10 curiosidades sobre o 12º título da Coleção Clássicos da Língua Portuguesa da Panda Books.

 

  1. O livro “A Escrava Isaura” foi publicado em 1875, quando a causa abolicionista estava no centro do debate sobre o Brasil ainda Imperial, treze anos antes da abolição definitiva. Àquela altura, o Brasil era um dos únicos dois países do continente americano que ainda permitiam legalmente a prática da escravidão. O outro era Cuba.
  2. Autor de “A Escrava Isaura”, Bernardo Guimarães foi escolhido por Raimundo Corrêa patrono da cadeira número 5 da Academia Brasileira de Letras – criada em 1897, treze anos depois da morte de Guimarães. Ele nasceu em Ouro Preto, no interior de Minas Gerais, e publicou doze livros de poesias e romances até encontrar em “A Escrava Isaura” o seu maior sucesso, nove anos antes de sua morte. Guimarães também foi juiz, professor e jornalista. No livro, optou por negar traços e características africanas à personagem Isaura para aproximar o seu perfil do perfil das leitoras em uma época em que a leitura era quase uma exclusividade branca. Entrou, assim, no debate abolicionista mostrando para pessoas iguais fenotipicamente à Isaura o quão absurda era a escravidão.
  3. Assim como vários outros romances famosos da literatura brasileira, “A Escrava Isaura” foi publicado originalmente em formato de folhetim – com um capítulo de cada vez – no jornal “O Constitucional”, de Ouro Preto, em Minas Gerais.
  4. A história de “A Escrava Isaura” começa em Campos dos Goytacazes, na região norte do estado do Rio de Janeiro, e depois se desenvolve em Recife. Existe em Campos dos Goytacazes – mais precisamente no distrito de Martins Lage, às margens da rodovia BR 356 – um local chamado Solar dos Ayrizes, que seria uma representação da “casa da Escrava Isaura”. Os responsáveis pelo local garantem que foi lá que Bernardo Guimarães encontrou a inspiração para escrever a história.
  5. A escravidão no Brasil foi um crime cometido fundamentalmente contra os negros e os povos originários. No entanto, jornais antigos trazem relatos e campanhas para libertar brancos escravizados em diferentes pontos do país – eram campanhas que não tinham caráter abolicionista, pois consideravam que apenas os brancos não poderiam ser escravizados. Em geral, sobretudo no século XIX, os casos de brancos escravizados eram de descendentes de relações entre mulheres negras escravizadas e os seus senhores brancos.
  6. A primeira adaptação audiovisual de “A Escrava Isaura” é de 1949. O diretor Eurides Ramos lançou o filme protagonizado pela atriz Fada Santoro, que interpretou Isaura, e pelos atores Cyll Farney (Álvaro) e Graça Mello (Leôncio).
  7. A presença da história de Bernardo Guimarães na cultura popular brasileira em grande parte se deve à novela “Escrava Isaura”, exibida pela TV Globo, na faixa das 6 da tarde, entre 11 de outubro de 1976 e 5 de fevereiro de 1977. Exibida em 100 capítulos, ela foi o primeiro grande sucesso do autor Gilberto Braga, que dois anos mais tarde estouraria no horário nobre com “Dancin’ Days” e enfileiraria sucessos como “Água Viva”, “Vale Tudo”, “O Dono do Mundo”, “Anos Rebeldes” e “Celebridade”. Lucélia Santos viveu a protagonista Isaura e Edwin Luisi e Rubens de Falco fizeram os papeis de Álvaro e Leôncio, respectivamente.
  8. Para sustentar 100 capítulos na TV, Gilberto Braga foi preciso fazer algumas adaptações. Criou um outro par romântico para Isaura: Tobias, interpretado por Roberto Pirillo. Além disso, em tempos de ditadura militar, a censura do governo federal proibiu o uso da palavra “escravo”. Segundo o autor, a justificativa dos censores foi a de que a escravidão era uma mancha na história brasileira, e não deveria ser relembrada. Para driblar a proibição, Braga passou a escrever “peça” no lugar de “escravo”. A novela registrou bons índices de audiência, foi reprisada cinco vezes pela TV Globo e ganhou uma versão especial em DVD. Em 2004, a TV Record lançou uma nova adaptação do clássico com Bianca Rinaldi (Isaura), Theo Becker (Álvaro) e Leopoldo Pacheco (Leôncio) na trama criada por Tiago Santiago. Herval Rossano, diretor da produção de 1976, também assinou a versão produzida pelo canal paulista.
  9. “Escrava Isaura” foi a novela mais exportada da teledramaturgia brasileira no século XX. Foi também a primeira produção da TV Globo a alcançar mais de 100 países (foram 104 no total), num processo que começou em 1979, com a venda dos direitos de exibição para emissoras da Itália e da Suíça. Ainda que hoje esse tipo de negociação seja muito mais simples, a produção baseada na obra de Bernardo Guimarães continua sendo uma das dez mais internacionalizadas da história da TV Globo.
  10. A novela “Escrava Isaura” foi um fenômeno de audiência na China. A trama foi exibida pela Televisão Central da China e por suas emissoras regionais em 1985, um ano depois de o romance original de Bernardo Guimarães ganhar a sua primeira tradução para o mercado editorial da China. Batizada de “Ninu”, “escrava” em chinês, a novela consagrou a atriz Lucélia Santos, intérprete de Isaura, no país mais populoso do mundo. O sucesso foi tão grande que ela viajou até a China para receber o prêmio de Melhor Atriz no Golden Eagle Award, uma das mais importantes premiações da televisão chinesa. Em 2013, em uma entrevista à revista “Caras”, Lucélia contabilizou pelo menos 25 viagens para eventos e produções televisivas em território chinês – que renderam outras produções como o documentário “Isaura em Pequim”, que mostra a atriz brasileira assediada por um batalhão de fotógrafos e fãs nas ruas da capital do país.

A comida com poder de transformação

Sabia que o que você coloca no prato pode mudar o planeta? Lançamento da Panda Books alerta sobre a necessidade de novos hábitos alimentares

 

Há dois anos, quando as autoras Ariela Doctors e Maísa Zakzuk se uniram para escrever “O que vai ter para comer?”, lançado pela Panda Books, uma das muitas preocupações era a de levantar a bandeira da alimentação saudável como uma demanda não apenas individual, para cuidar do corpo, mas também coletiva, para transformar o ambiente, o bairro, a cidade, o planeta. Dessa forma, jovens leitores impactados pela obra podem mudar os hábitos de suas casas e, quem sabe, até de suas escolas.

A preocupação com o tom do texto é endossada por Ariela, que aposta na ação propositiva despertada pelo livro para que ele tenha impacto real no dia a dia: “Não adianta falar que as crianças têm responsabilidade por algo que elas nem fizeram”, afirma. “É preciso manter o encanto com a natureza para depois entender a luta”.

No livro, Ariela e Maísa abordam vários aspectos que podem ser aprimorados na relação entre as pessoas e a comida: não apenas a necessidade de adotar hábitos mais saudáveis, mas também a valorização de pequenos produtores e o fim do desperdício, dentre outras questões. Ariela classifica a obra como uma “conversa intersetorial” e acredita que “criar bons hábitos é muito mais fácil do que transformá-los”: “É preciso fazer a ligação do cotidiano com a natureza. Foi o rompimento que gerou essa distopia”. O livro reúne números que mostram o impacto de toda esta cadeia desregulada no meio-ambiente e apresenta também soluções inovadoras.

A dupla formada por Ariela (jornalista, ex-proprietária de um restaurante de comida marroquina e diretora do Instituto de Comida e Cultura, ao lado de Bela Gil) e Maísa (diretora de TV,  escritora infantojuvenil e criadora do quadro “Culinária” no “X-Tudo”, programa da TV Cultura nos anos 1990) rendeu também uma série de sugestões que estão ao alcance dos mais jovens. São atividades com diferentes níveis de complexidade, que vão da observação, tabulação e organização dos produtos a partir do seu nível de industrialização (para que a família ou a escola eventualmente percebam a necessidade de diminuir o consumo dos ultraprocessados e aumentar o espaço das compras in natura) até a construção artesanal de um minhocário, pequeno depósito de restos de alimentos que, se tratado da maneira correta, pode transformar resíduos em adubo.

Misturando história, infográficos, tabelas e atividades, Ariela Doctors e Maísa Zakzuk trazem leveza para um tema tão complexo e preocupante, mas que precisa ser tratado em casa e no ambiente escolar: “Existem muitas escolhas e a criança precisa ficar encantada com esse poder de transformação que ela tem em mãos”, finaliza Maísa.

Projeto aprovado pelo Edital ProAC 20/2022, Programa de Ação Cultural da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Governo do Estado de São Paulo.

Com a lupa nos bichinhos e nas crianças

Para acabar com o medo que as crianças andam desenvolvendo da pequena fauna urbana, Leninha Lacerda lança livro poético

 

Como nasce uma história? Cada uma nasce de um jeito e cada autor tem o seu processo criativo. No caso de Cláudia Helena Lacerda, ou, como prefere, Leninha Lacerda, a palavra-chave é a observação. Foi assim que ela percebeu que a relação das novas gerações com a natureza anda um tanto estremecida. “As crianças de apartamento estão ficando com medo dos bichinhos”, disse uma jovem mamãe. “Então me veio a ideia de falar sobre isso de uma forma poética para que a meninada volte a ficar amiga dos animais”.

Nascia assim “Bichinhos perto de mim”, lançamento da Panda Books, que apresenta 26 animais da fauna urbana de qualquer cidade. É uma maneira de quebrar esse muro que separa os mais novos deste contato direto com espécies que podem ser vistas no portão de casa. “Muitos podem ser tocados, mas eu explico quais são aqueles que exigem uma certa distância”, explica.

O processo de primeiro observar uma questão para depois fazer dela um livro virou corriqueiro na carreira dessa ilustradora de 59 anos, que agora assina o seu terceiro livro infantojuvenil também na condição de autora. “Sou de circo” nasceu quando Leninha percebeu a necessidade de estimular os movimentos corporais nos bebês. “Caixa de brincar” (lançado em inglês como “Play Box”) veio antes da pandemia, mas fez mais sentido durante, quando ela acumulou caixas dentro de casa e procurou encontrar brincadeiras criativas, de fácil execução, com materiais simples e que retirassem as crianças do ambiente virtual: “Meus filhos cresceram soltos, brincando na lama, e hoje vejo que muitas crianças não têm essa possibilidade. O celular tomou conta até dos bebês e isso me apavora”, admite.

Antes de entrar para o mercado editorial, Leninha esteve próxima de outras carreiras. Acabou inicialmente escolhendo o curso de Cinema na Faculdade Armando Álvares Penteado (FAAP). Em parte, por gostar da sétima arte; em parte, como resultado de um esforço de outros alunos para captar novos companheiros e assim alcançar o número mínimo de dez estudantes para que a turma fosse formada. Leninha chegou a estagiar na área e seguiu por lá, “encantada com aquilo”, até o dia em que foi provocada por um amigo, o engenheiro de som Roberto Ferraz: “Ele me perguntou o que eu faria se ganhasse 1 milhão de reais”, lembra. A resposta natural para profissionais que trabalhavam com áudio seria responder que compraria gravadores, cabos ou microfones. Leninha foi por outro caminho: “Vou entrar numa papelaria e comprar papel, caneta, tinta… Aí ele falou ‘sai daqui e vai cuidar da sua vida’. Perdeu a estagiária”, brinca Leninha, que dali em diante, mesmo desconfiada quanto a possibilidade de ganhar a vida desenhando, se jogou de cabeça na nova profissão e “nunca mais parou”.

Desenhou capas e desenvolveu materiais didáticos para editoras como FTD, Ediouro, Ática e Moderna. Até que surgiu a parceria com a Panda Books. Começou com as ilustrações de “Fofilofa”, escrito por Regina Soler e lançado em 2016. Depois, ganhou a chance de trabalhar desenhando e escrevendo as próprias ideias em “Sou de circo”, “Caixa de Brincar” e agora em “Bichinhos perto de mim”.

De voz calma, mas empolgada, Leninha tem um processo de criação quase que 100% artesanal: “Sou horrível no Photoshop”, confessa aos risos. “Meu prazer é desenhar à mão. Uso o computador para corrigir alguns erros, o que é fácil. Mais que isso, não sei fazer. Tem gente que faz um trabalho incrível, mas eu gosto do lápis, da caneta e da tinta. Meu processo é manual. Desenho com lápis, começo a pintar e depois escaneio e eventualmente corrijo antes de mandar para a editora”, explica. Não é muito rápido, é como um bordado: “Em ‘Bichinhos perto de mim’ cada página dupla [são 26 no total] levou mais ou menos dois dias, algumas vezes até três… era muito tempo em uma mesma coisinha, um mesmo detalhe”.

Com três filhos homens já adultos, Leninha tem um público-alvo do qual fazem ou farão parte em breve os quatro netos (também todos homens): Thomas, 4 anos, Martín, 3, San Noah, 2, e Bento, que ainda não completou 1 ano.

“Sou de Circo” nasceu da habilidade do filho mais novo para mexer o corpo e escalar móveis “como o Homem Aranha”.  De uma forma ou de outra, tudo se relaciona com o jeito de levar a vida e de enxergar a infância que marca a fala e os traços dessa ilustradora cada vez mais autora: “A gente vive em um mundo em que nada pode. E a criança precisa do toque, da liberdade de correr, de cair, de machucar, de levantar, de esquecer da dor e depois só lembrar da coisa boa. Tudo isso faz parte. Inclusive a frustração. Não consegue? Tenta de novo. Não sabe? Tenta! Temos que observar a criança”, finaliza.

10 curiosidades sobre Nathaniel Hawthorne e “A letra escarlate”

Livro de 1850 ganha nova edição na série “Clássicos Internacionais”

 

Mais nova publicação da série “Clássicos Internacionais”, da Panda Books, “A letra escarlate” é o grande sucesso do escritor Nathaniel Hawthorne, um dos maiores fenômenos da história do mercado editorial dos Estados Unidos e símbolo da literatura norte-americana do século XIX. Conheça algumas curiosidades sobre o autor:

  1. Nathaniel Hawthorne nasceu em 1804 em Salem, Massachusetts. A cidade americana é conhecida mundialmente pelo julgamento das “bruxas de Salem”, como eram chamadas as mulheres que foram condenadas à morte sob acusação de prática de bruxaria. Um dos bisavôs de Hawthorne foi um dos juízes desse julgamento, entre 1692 e 1693.
  2. A relação entre a família Hawthorne e o puritanismo – a corrente protestante que prega uma régua moral extremamente rígida – é ainda mais antiga que a presença do bisavô no julgamento do caso das “bruxas de Salem”. O tetravô de Nathaniel, William Hawthorne, foi quem trouxe a família para os Estados Unidos, vindo da Inglaterra, berço do puritanismo, já como seguidor desta corrente. O historiador Philip Macfarlane, autor de uma biografia sobre o autor, acredita que o escritor pode ter acrescentado uma letra ao seu sobrenome – alterando-o de Hathorne para Hawthorne – para tentar se dissociar do passado de sua família.
  3. O escritor recebeu o mesmo nome do pai: Nathaniel Hathorne pai foi um capitão de navios, que morreu de febre amarela, em 1808, durante uma expedição pelo Suriname, então colônia holandesa no extremo-norte da América do Sul. A tragédia fez com que a mãe se mudasse com o filho Nathaniel e mais as duas filhas para a casa de familiares em Salem.
  4. Hawthorne gostava de escrever desde a infância. Aos 15 anos, por sinal, ele já produzia sozinho “The Spectator”, uma espécie de jornal com notícias e poemas que ele distribuía para seus familiares.
  5. Seu primeiro romance, “Fanshawe”, foi publicado de maneira anônima em 1828. Nathaniel pagou do próprio bolso os 100 dólares necessários para a impressão e a distribuição da obra.
  6. Depois de “Fanshawe”, Hawthorne abandonaria os romances por 22 anos até publicar “A letra escarlate” em 1850 – no meio deste caminho, publicou 30 livros de contos e viveu tempos difíceis. Em 1845, já casado com Sophia Peabody e pai da recém-nascida Una, o escritor precisou voltar para a casa da mãe, Elizabeth. No ano seguinte, conseguiu um emprego no porto de Salem com um salário mensal de apenas 100 dólares. A vida seguiu complicada até a publicação de “A letra escarlate”.
  7. “A letra escarlate” foi um sucesso instantâneo que surgiu exatamente num momento em que a tecnologia de impressão e publicação de livros avançava nos Estados Unidos. Os primeiros 2.500 exemplares foram vendidos em um intervalo de apenas 10 dias.
  8. A obra de Nathaniel é marcada por explorar os cenários onde ele viveu ou trabalhou. Em “A letra escalarte”, por exemplo, o prefácio “A alfândega” rememora suas experiências na alfândega de Boston. Tão logo se casou, antes de se mudar para a casa da mãe, viveu com a mulher numa casa ligada à igreja chamada “Old Manse”, de onde extraiu boa parte do conteúdo dos contos que formam a coleção “Mosses from an old manse”, de 1846. O próprio romance “Fanshawe”, que marca a estreia do autor, foi baseado na sua experiência acadêmica em Bowdoin College (uma espécie de faculdade das artes no Maine, extremo nordeste do país), onde era tido como um aluno rebelde e negligente.
  9. Ainda na escola, Nathaniel Hawthorne conheceu e desenvolveu uma grande amizade com um garoto de New Hampshire chamado Franklin Pierce. Muitos anos depois, Hawthorne foi convidado a escrever uma espécie de biografia que serviu como material de campanha para Pierce nas eleições presidenciais de 1852. O democrata venceu Winifeld Scott, do antigo Partido Whig (espécie de percursor do Partido Republicano) para se tornar o 14º presidente dos Estados Unidos da América. Hawthorne foi recompensado com o cargo de cônsul dos Estados Unidos em Liverpool, no Reino Unido.
  10. Um dos últimos trabalhos do autor de “A letra escarlate” foi o ensaio “Chieflly About War Matters”, publicado em 1862, como testemunho da convivência de Hawthorne com o então presidente dos Estados Unidos, Abraham Lincoln, durante a guerra civil, travada entre o norte abolicionista e o sul escravocrata. Nathaniel Hawtorne morreu em 1864 na cidade de Plymouth, em New Hampshire, tendo publicado oito romances, 34 livros de contos e seis de não-ficção, além de ensaios e artigos.

Os símbolos brasileiros em seus mínimos detalhes

Depois de 12 anos de pesquisa, Tiago José Berg apresenta a obra mais completa sobre o tema: “Eram 90 anos sem uma publicação com esse peso”

Desde cedo, Tiago José Berg, 38 anos, paulista de Cordeirópolis, sonhava em viajar o mundo e gostava de observar as bandeiras dos países em um atlas. Nada muito diferente do interesse de qualquer criança. Até que veio a Copa do Mundo de 1998. Encantado com as traduções dos hinos dos países nas transmissões de TV, o menino de 14 anos começou a estudar o tema. “Eu escrevia para embaixadas e consulados para conseguir informações”, conta. “Tenho até hoje os envelopes de cerca de 140 embaixadas”. Em 2006, Berg passou a amadurecer a ideia de transformar todo esse trabalho de pesquisa em um livro. “Hinos de todos os países do mundo” foi lançado pela Panda Books em 2008. Na esteira desse sucesso, veio o segundo: “Bandeiras de todos os países do mundo”, em 2013.

Agora, a Panda Books publica “Símbolo do Brasil”, uma reunião de bandeiras, brasões e hinos do Brasil, dos estados brasileiros e das capitais de cada unidade da federação. Além dos símbolos vigentes, o livro traz outros símbolos históricos como os brasões dados pelos holandeses às capitanias hereditárias do Nordeste, a bandeira de São Luís na época de sua fundação e projetos que não vingaram para a bandeira do Brasil: “Fiz uma seleção de conteúdo que fosse significativo para as pessoas”, resume ele, formado em Geografia pela Universidade Estadual Paulista.

Muito mais do que um banco de dados de imagens, Berg executou um trabalho que ele próprio resume como “desafiador”. A partir da descrição técnica que consta nos projetos de lei que homologaram as bandeiras e brasões, ele redesenhou no computador boa parte desses símbolos. Sua ideia, com isso, era corrigir distorções ou preencher lacunas que constavam até mesmo nos sites oficiais de governos e prefeituras. “Tinha a frustração de ver um desenho e não saber o que era. Queria que as pessoas percebessem a beleza do material: que a folha de café fosse a mais realista possível, que as bolinhas dos frutos de laranjeiras fossem fiéis… Um exemplo: o brasão do Amazonas tem uma cornucópia [vaso em forma de chifre] cheios de frutas, flores, moedas… Procurei trazer esses detalhes para que as pessoas vissem exatamente o que estavam lendo na descrição”, explica.

Aqui a entrevista de Tiago José Berg para o “Panda News”:

 

Você já estuda bandeiras, hinos e brasões há muito tempo. Quando foi que surgiu especificamente a ideia de reunir essas informações sobre os estados e capitais brasileiras em um livro?
Percebi que não havia um livro que compilasse informações sobre os nossos símbolos. Na verdade, o último livro a abordar esse assunto com ilustrações era de 1933: “Brazões e Bandeiras do Brasil”, de Clóvis Ribeiro. Mas ele não tinha os hinos. Minha ideia foi preencher esse vácuo de 90 anos sem uma publicação de peso e sem um material pensado de forma didática para apresentar mais sobre os nossos hinos, bandeiras e brasões. Foi um trabalho de pesquisa que começou de 2009 para 2010 e durou 12 anos.

Que tipo de informações você levantou durante todo esse processo?
Em primeiro lugar, uma descrição da bandeira e do brasão de cada Estado e do Brasil. Também as letras e as partituras de cada hino porque quem tem o dom da música vai ter muito interesse em tocar os hinos. Inicialmente, escrevi para secretarias de cultura, governos e assembleias legislativas, pedindo essas informações. Percebi que havia uma discrepância muito grande entre lugares com materiais muito bons e outros que não tinham quase nada além do “procura no site”. O que havia no site era um brasão bem pequenininho… E me deparei com outro problema: geralmente as imagens são feitas por terceiros ou mesmo por pessoas com boa vontade, mas que não tinham a riqueza de detalhes que eu precisava. Alguns símbolos, portanto, perderam o sentido original em relação ao que dizia a lei. Eu revi todas as leis e redesenhei praticamente 90% dos brasões e 50% das bandeiras que estão no livro.

Qual foi o estado ou a capital que lhe deu mais trabalho?
Tive muita dificuldade com Boa Vista. Até pouco tempo, eles usavam uma imagem com a inscrição “Território federal de Roraima” (título carregado até 1988, quando Roraima se tornou um estado). Eu ligava para lá e as pessoas não sabiam me dar informação nenhuma. Só em 2019 começou a melhorar. Em outro caso, uma colega da pós-graduação amapaense conseguiu, em uma viagem ao Amapá, ir à Biblioteca Municipal e fazer uma cópia do brasão de Macapá com o texto da lei. E aí eu consegui redesenhar. Outro caso interessante foi o de São Luís: eu tinha o brasão, mas não a descrição da lei. A avó de um colega que morava lá me mandou uma cópia de um encarte da Academia Maranhense de Letras com a descrição.

No caso dos hinos, foi preciso reescrever partituras também?
Sim, foi outro caso complexo. Muitos estados têm partituras disponíveis principalmente para bandas de polícias militares. Mas partituras para piano, que são as mais comuns, nem todo Estado tem. Fiquei em dúvida sobre qual partitura usar. Acabei escolhendo as partituras para canto, que foram as que eu encontrei em todos os estados. Como as fontes são diferentes, eu precisei usar um programa de digitalização para escrever algumas. Tive aula de teclado por muitos anos, então acredito não ter tido muitos problemas nesse sentido.]

Por que algumas capitais não têm hino, como São Paulo, ou adotaram músicas populares, como o “Cidade Maravilhosa” do Rio de Janeiro?
É uma questão cultural. Em muitos lugares, o hino surge de uma tradição popular e acaba sendo adotado como um símbolo oficial. Mas algumas capitais de fato não têm. Belo Horizonte é uma delas. No caso da cidade de São Paulo, nas comemorações do IV Centenário, a cidade não tinha bandeira. Só usava o brasão. A bandeira nasce um pouco depois, quando o brasão é estampado num retângulo branco. Ela só vai ganhar contornos oficiais na década de 1970, com o brasão readaptado. Depois, em 1987, ela ganha o desenho atual.

No Brasil, não existe uma lei que sistematize esses símbolos. Não existe lei que obrigue uma cidade ou um estado a ter um brasão, uma bandeira ou um hino. É facultativo. Muitos adotam por costume, por observar outro estado. Esses símbolos regionais só foram vetados no Estado Novo de Getúlio Vargas – ele tinha o receio de que eles alimentassem movimentos separatistas. Somando todos esses fatores, temos brasões que respeitam as normas heráldicas e outros que não respeitam. O de Sergipe, por exemplo, não tem nem um escudo, que é um princípio básico para qualquer brasão.

O alfabeto de A a Z

Lançamento da Panda Books auxilia no processo de alfabetização a partir da identificação de palavras conhecidas

A escritora Silvana Salerno lembra bem do fascínio que sentiu quando percebeu que era capaz de ler outdoors. Para encurtar os caminhos que levarão as crianças de hoje a esse momento especial, ela escreveu “Os amigos no alfabeto”, livro lançado pela Panda Books e que traz ilustrações de Fran Junqueira.

O processo se desenvolve primeiro por meio dos objetos, das coisas, das palavras que estão no vocabulário de todos os dias; depois, pelos nomes que estão na lista de chamada da escola ou em algum contato nas redes sociais; e por último, com as ilustrações que ajudam na missão de associar o objeto que se vê à palavra que se escreve.

Veja curiosidades de algumas das palavras que são apresentadas no livro de Silvana:

“A” de açaí: a fruta conhecida por ser símbolo de energia foi batizada a partir do tupi “iwasa’i”, que significa “fruto que chora”.

“B” de batatinha: a sequência “batatinha quando nasce”, que hoje abre uma das quadras de versos mais famosas da cultura popular brasileira, foi registrada pela primeira vez em 1883 no livro “Cantos populares do Brasil”, de Silvio Romero. Na época, a estrofe dizia: “batatinha quando nasce / deixa a raiz no chão / menina quando se deita / bota a mão no coração”.

 

“C” de casinha: uma das particularidades da Língua Portuguesa é a demarcação dos diminutivos por meio dos sufixos, sobretudo o sufixo “inho” ou “inha”, e não de uma outra palavra. Em inglês, por exemplo, uma casa pequena é uma “little house”. Na língua portuguesa, uma casa pequena é uma “casinha”.

“D” de dragão: seres mitológicos que fascinam as crianças, os dragões foram batizados a partir do grego “drakon” e do latim “draconem”.

“E” de escorpião: existem cerca de 160 espécies diferentes de escorpiões vivendo no Brasil; o nome do animal vem do grego “skorpios”.

“F” de futebol: quando o esporte mais popular do mundo ainda engatinhava aqui no Brasil, muitos se incomodavam com o excesso de expressões em inglês – a começar pelo próprio nome que é uma fusão de “foot” (pé) e “ball” (bola). Então, a Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro abriu um debate para buscar um batismo 100% brasileiro para essa prática: “pebóla”, “peból” e “balípodo” (do grego “bali”, lançar, e “podos”, pé) foram alguns dos nomes que foram propostos, mas não vingaram.

“G” de guaraná: os descobridores do guaraná foram os índios sateré-mawé, que vivem na Amazônia; eles cultuam uma lenda segundo a qual o fruto teria surgido a partir dos olhos enterrados de Kahuê (daí o aspecto semelhante a um olho humano), um jovem índio filho da bela Anhyã-Muasawê e vítima da maldade de uma serpente. “Guaraná” vem de “waraná”, que significa “árvore que sobe apoiada em outra”.

“H” de helicóptero: essa é mais uma palavra herdada dos gregos; neste caso, uma junção de “héliks” (espiral) e “pterón” (asa).

“I” de ioiô: a origem do brinquedo é incerta, mas a origem da palavra é conhecida: ela foi importada do filipino e quer dizer “volte aqui”.

“J” de jacaré: no livro, a palavra “jacaré” aparece aplicada à frase “ficam longe da jiboia, mas gostam de pegar jacaré”. É uma gíria pra quem gosta de surfar: “pegar um jacaré” é encarar uma onda com o peito para ser levado por ela até a praia.

“K” de kalimba: o instrumento formado por pequenas placas metálicas que emitem sons quando dedilhadas ecoa na África desde o ano 1.000 antes de Cristo; no Brasil, chegou com africanos escravizados no século XVII e já no século seguinte foi retratado pelo pintor Jean-Baptiste Debret.

“L” de leopardo: etimologicamente falando, a palavra “leopardo” é uma fusão de duas expressões em latim: “leo” (leão ou grande felino); “pardus” (pantera). Era assim, como uma mistura dos dois animais, que o leopardo era visto na Idade Média.

“M” de mãe: apesar dos registros de alguns festejos para as mães na Grécia e também durante a Idade Média na Europa, o Dia das Mães foi comemorado pela primeira vez nos Estados Unidos em 1914, quando também ficou estabelecido que a comemoração aconteceria no segundo domingo de maio. No Brasil, os primeiros registros são de 1918, mas a data só acabou oficializada em 1932 durante o governo de Getúlio Vargas.

“N” de Natal: a primeira celebração do Natal de que se tem notícia aconteceu em 336 na cidade de Roma. Em 350, por influência do Papa Júlio I, foi instituído o 25 de dezembro como data da comemoração. A partir do imperador Justiniano, o Natal tornou-se feriado em 529.

“O” de ornitorrinco: embora seja um mamífero, o “ornitorrinco” foi batizado como um animal “com bico de ave” a partir da junção das expressões do grego antigo “ornitho” (ave) e “rhynchus” (bico).

“P” de paçoca: foi o engenheiro e historiador Teodoro Sampaio quem revelou que a palavra “paçoca” vem do tupi “poçoca” (esmigalhar à mão).

“Q” de queimada: o jogo de queimada, aquele em que os times arremessam a bola de um lado a outro para eliminar os adversários atingidos, tem pelo menos outros dez nomes Brasil afora: baleado, barra-bola, bola queimada, caçador, carimba, carimbada, cemitério, mata-mata, mata-soldado e matada.

“R” de rolimã: “carrinho de rolimã” é um aportuguesamento da expressão francesa “roulement”, criada para definir este pequeno carro de madeira e rodas de aço.

“S” de sorvete: a primeira sorveteria do Brasil foi inaugurada em 1835 por uma dupla norte-americana que aproveitou parte de um carregamento de 270 toneladas de gelo que chegou em um navio vindo dos Estados Unidos.

“T” de telefone: o primeiro grande entusiasta do telefone no Brasil foi o então imperador Dom Pedro II; ele foi um dos poucos a se empolgar com a invenção do escocês Alexander Graham Bell, apresentada na Filadélfia, Estados Unidos, em 1876. Já no ano seguinte o Brasil se tornou o segundo país do mundo a ter um telefone.

“U” de uirapuru: o canto deste pássaro inspirou e batizou uma das mais famosas sinfonias de Heitor Villa-Lobos: o trabalho de composição começou em 1917 e terminou apenas em 1934.

“V” de violão: “violão” vem do italiano “violone”, um aumentativo de “viola”. O primeiro violão de seis cordas chegou ao Brasil no início do século XIX: um dos pioneiros, foi justamente o italiano Bartolomeu Bortolazzi, que em 1826 já anunciava nos jornais o seu trabalho como professor de violão.

“W” de wi-fi: está confirmado desde 2005 pelo próprio Phil Belanger, um dos membros fundadores da Wi-Fi Alliance, o grupo que de empresas que criou a tecnologia do wi-fi: a palavra não tem significado absolutamente nenhum. Ela foi criada por marqueteiros para substituir o tecnicista “IEEE 802.11 b Direct Sequence”,
que era o termo técnico pra definir a tecnologia.

“X” de xaxado: a dança típica do Nordeste nasceu em Serra Talhada, no interior de Pernambuco, como uma provocação dos cangaceiros do bando de Lampião aos adversários derrotados.

“Y” de yin-yang: a contraposição entre “yin” (a noite) e “yang” (o sol) é um dos conceitos mais fortes da cultura chinesa e valoriza o equilíbrio entre as forças antagônicas da natureza.

“Z” de zabumba: indispensável nas festas folclóricas nordestinas, a zabumba é uma das heranças do período de colonização portuguesa no Brasil; no Maranhão, anualmente é celebrado o Festival do Bumba-Meu-Boi de Zabumba. Os bois e grupos locais carregam a tradição do sotaque de zabumba, que, além de ser marcado pela
produção artesanal das zabumbas, traz também uma mistura com outros instrumentos de percussão, como o tambor-de-fogo e o tamborinho.

Vai ter comida para todo mundo?

Sabia que 1,6 bilhão de tonelada de alimentos vai para o lixo todos os anos? Livro explica como o consumo alimentar mais responsável e racional pode salvar o planeta

“O que você coloca no prato pode mudar o planeta”, diz o subtítulo do livro infantojuvenil “O que vai ter para comer?”, de Ariela Doctors e Maísa Zakzuk, lançado pela Panda Books. Escrita leve, ilustrações de bom gosto e gráficos bem pensados são alguns dos caminhos utilizados pela dupla para levar aos mais jovens o alerta sobre a necessidade de um consumo mais responsável e racional.

Alerta este que é endossado por um arsenal de números e curiosidades baseados em estudos e pesquisas brasileiros e estrangeiros que ajudam a dimensionar os nossos exageros e o risco ao qual estamos expostos se este cenário não mudar. Todas as informações estão bem contextualizadas no livro. Primeiro as autoras fazem um breve passeio pela história da comida ao narrar o processo evolutivo que atravessa a era dos caçadores, a descoberta do fogo e o início da agricultura, dentre outros marcos históricos. Na sequência, se aprofundando nos tempos atuais, a obra explica
todo o processo que leva o alimento até a mesa dos brasileiros, do plantio até as prateleiras dos supermercados.

1. A produção agrícola é responsável por 70% do consumo de água no Brasil. São 15.500 litros de água (ou um ano inteiro de banhos de 5 minutos) para cada quilo de carne de boi que chega ao supermercado.

2. Existem aproximadamente 350 mil espécies de sementes. Os seres humanos, no entanto, não aproveitam sequer 1% dessa variedade, priorizando a alimentação básica com arroz, milho, trigo, batata e soja.

3. Segundo a organização inglesa Friends of The Earth (Amigos da Terra), 19.307 hectares de terra do Brasil são utilizados para cultivar a soja que serve de alimento para os porcos criados na Irlanda do Norte. A área equivale a 24 mil campos de futebol.

4. Enquanto os bois vivem em média dois anos antes do abate, porcos e frangos são abatidos bem mais jovens, com uma idade que varia de 28 a 45 dias.

5. Atualmente, cerca de 820 milhões de pessoas ao redor do mundo enfrentam o drama de não ter o que comer. A produção de alimentos, no entanto, é suficiente, em número, para alimentar todas as 7,8 bilhões de pessoas que vivem no planeta.

6. No Brasil, cada família desperdiça, em média, 128 quilos de comida por ano. Expandindo o olhar para o desperdício no mundo, observamos que 1,6 bilhão de tonelada de alimentos vai para o lixo todos os anos.

7. 54% do desperdício de comida está concentrado nos períodos de produção, pós-colheita e armazenagem. Os outros 46%, no processamento, distribuição e consumo.

8. 80% das embalagens de alimentos são descartadas depois da primeira utilização. Uma caixa de pizza leva seis meses para se decompor. O vidro, 4 mil anos.

9. A cada 50 quilos de papel reciclado, uma árvore é salva.

10. 70% dos alimentos consumidos pelos brasileiros vêm da agricultura familiar – ou seja, de pequenas propriedades mantidas por trabalhadores que guardam laços familiares.

11. Cerca de 2 bilhões de pessoas no mundo inteiro já comeram insetos. São 1.900 espécies catalogadas dentre as já consumidas – embora apenas 1.400 sejam consideradas comestíveis. Nos Estados Unidos, existem cada vez mais fazendas de criação de grilos (vendidos secos ou em pó após oito semanas de vida). No Brasil, farinha de grilo, barrinha de besouros e chocolate com formiga são alguns dos itens no cardápio.

12. Hortas, fazendas e jardins verticais – instalados em paredes ou armários dentro de espaços urbanos – consomem 95% menos água que as plantações a céu aberto.

13. Existem 40 mil variedades de feijão e 100 mil variedades de arroz no mundo. No entanto, dentre todas elas, apenas 8 mil são comestíveis.

14. Se o ritmo atual de consumo da humanidade não mudar, o planeta Terra precisará, em 2050, de 40% mais água, 50% mais energia e 60% mais comida.

15. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) reúne 350 mil famílias brasileiras em busca de terras para morar e produzir em 24 estados nas cinco regiões do Brasil. “O que vai ter para comer? – O que você coloca no prato pode mudar o planeta”, de Ariela Doctors e Maísa Zakzuk, foi contemplado com uma bolsa do ProAC (Programa de Ação Cultural), o projeto do governo do estado de São Paulo que concede patrocínios e incentivos fiscais para projetos que ajudam a difundir a produção artística no Estado.

10 curiosidades sobre “O alienista”

Clássico de Machado de Assis ganha nova edição na coleção “Clássicos da Língua Portuguesa”

“O alienista”, de Machado de Assis, tem 141 anos e dezenas de edições e adaptações. Na coleção “Clássicos da Língua Portuguesa”, porém, ele é envelopado de uma maneira especial: com notas informativas, ilustrações e infográficos que ajudam o leitor a entender o texto de Machado de Assis de acordo com o contexto da época e também a dimensão que a obra tem na história da literatura brasileira.

A seguir, 10 curiosidades sobre um dos grandes clássicos do maior escritor brasileiro da história. O quarto de Machado de Assis na coleção da Panda Books:

1. A profissão de “alienista”, que dá origem ao nome do livro, equivale ao que hoje se chama de psiquiatra. O alienista de Machado de Assis é o dr. Simão Bacamarte, que abre um manicômio, mas acaba se tornando uma das vítimas dos cada vez mais arbitrários conceitos de “loucura” que se desenvolvem ao longo da obra.

2. O conto se passa em uma cidade real: Itaguaí fica na região metropolitana do Rio de Janeiro, a cerca de 70 quilômetros da capital fluminense. A cidade tem 130 mil habitantes. A Biblioteca Municipal de Itaguaí, instalada num pequeno castelo erguido na estação ferroviária da cidade, leva o nome de Machado de Assis. A biblioteca veio um ano antes do que “O alienista”: 1880. O escritor admirava bastante o então Imperador do Brasil, D. Pedro II, que foi fiador da inauguração da biblioteca, embora o batismo do local só tenha se dado no ano de 2000.

3. “O alienista”, publicado pela primeira vez em 1881, não por acaso apresenta ganchos irresistíveis ao final de cada capítulo. Na época, o texto foi publicado capítulo a capítulo ao longo de várias edições do jornal carioca “A Estação”, entre outubro de 1881 e março de 1882. Era preciso, então, prender a atenção do leitor para deixá-lo à espera das próximas atualizações da história.

4. Em 1948, a Imprensa Nacional publicou uma edição deste clássico ilustrada por Candido Portinari, um dos maiores pintores brasileiros. Foram 37 ilustrações para dar o tom da abordagem original que Machado fez para as reflexões acerca da loucura.

5. Machado de Assis foi o fundador da Academia Brasileira de Letras. Ao longo de sua carreira, ficou marcado como um escritor versátil, que mostrou talento para produzir em diversas frentes: livros, romances, contos, peças teatrais, poesias e por aí vai… Tanto assim que nem é tão simples definir se “O alienista” é um conto, por causa do estilo, ou uma novela, como sugere a sua extensão e os seus ganchos entre os capítulos.

6. Nesta versão de “O alienista”, a Panda Books apresenta ao longo de toda a narrativa as notas informativas de Fátima Mesquita, que explica e contextualiza os eventos históricos, as expressões e os costumes retratados no livro. Traz também as ilustrações de oito profissionais: Camila Matos, Evandro Marenda, Kin Noise, Leblu, Leticia Vieira, Loro Verz, Marcelo Anche e Marina Hauer.

7. “O alienista” inspirou diversas adaptações ao longo das últimas décadas. Uma delas foi a “graphic novel” de Fabio Moon e Gabriel Bá, que faturou o Prêmio Jabuti na categoria “Livro didático ou paradidático do ensino fundamental e médio”.

8. As adaptações de “O alienista” extrapolam a literatura: na música, a obra inspirou uma canção homônima da banda Detonautas; na TV, o livro foi adaptado para o programa “Caso Especial”, da TV Globo, em 1993. Marco Nanini interpretou o doutor Simão Bacamarte.

9. Machado de Assis não conseguiu realizar o sonho de conhecer a Europa, mas “O alienista” recebeu traduções para o inglês, o espanhol e o italiano. A obra também foi adaptada, junto de outros contos de Machado de Assis, para o chinês.

10. Dois anos antes de “O alienista”, Machado de Assis escreveu um ensaio no qual disse que “o realismo (movimento artístico baseado na representação fiel da vida e dos costumes de uma época) não presta para nada”. A resistência do autor à corrente literária que predominava na época, e à qual ele próprio é muitas vezes ligado, se manifesta não só em “O alienista” como também no seu livro mais famoso, “Memórias póstumas de Brás Cubas”, publicado igualmente em 1881.