Livro do português Tomás Antônio de Gonzaga é novo lançamento da série “Os clássicos” da Panda Books
Novo volume da série “Clássicos da Língua Portuguesa”, da Panda Books, o livro “Marília de Dirceu” tem mais de 200 anos e continua sendo presença constante nas listas de obras obrigatórias para os principais vestibulares do Brasil. Já está, inclusive, no caminho dos estudantes que irão prestar a Fuvest este ano.
Essa presença por si só marca a relevância e a força da obra, que mistura uma bela história de amor e os desabafos de um escritor talentoso, castigado por tentar mudar os rumos da política de um Brasil ainda preso às mãos de Portugal. Isso sem falar na estética própria do movimento conhecido como arcadismo, um dos primeiros “filhos” do iluminismo europeu.
1. Tomás Antônio de Gonzaga nasceu em Portugal em 1744. Filho de pai brasileiro, viveu entre os dois países e, na infância, morou no Recife e em Salvador, antes de voltar para Portugal para fazer faculdade em Coimbra. Ele já escrevia poemas por lá, mas foi quando voltou ao Brasil para trabalhar como magistrado em Vila Rica – hoje Ouro Preto – que a carreira de escritor decolou.
2. Além de poeta, Tomás participou ativamente da vida política mineira e brasileira. Ele foi um dos membros do movimento conhecido como Inconfidência Mineira, que tentava libertar Minas Gerais e o Brasil dos abusos da Coroa Portuguesa. Acabou preso e levado para a Ilha das Cobras, no Rio de Janeiro. Condenado, seguiu para um exílio forçado em Moçambique, onde se casou, teve dois filhos e morreu em 1810.
3. “Marília de Dirceu” é um livro estruturado em liras. O gênero literário lírico tem o seu batismo inspirado no instrumento musical “lira”, que na Grécia Antiga acompanhava os poetas em uma época na qual os poemas eram todos cantados, e não apenas declamados ou escritos. Foi a partir do século XV que as poesias, ou liras, deixaram de ser cantadas para serem apenas faladas ou escritas.
4. “Marília de Dirceu” foi publicado em um intervalo de vinte anos. A primeira parte, dividida em 33 liras, saiu em 1792; a segunda, com 38 liras, foi impressa em 1799; a parte final, com nove liras e mais treze sonetos (poema dividido em duas estrofes de quatro versos e mais duas estrofes de três versos) só foi revelada em 1812, dois anos depois da morte de Tomás Antônio de Gonzaga.
5. Embora isso não seja dito de maneira explícita, “Marília de Dirceu” revela em grande parte uma história pessoal de amor de Tomás Antônio de Gonzaga. Quando chegou ao Brasil, para trabalhar em Vila Rica como magistrado, ele conheceu Maria Doroteia Joaquina de Seixas e se apaixonou enlouquecidamente. Ela era muito mais jovem e muito mais rica. Mesmo assim, formou-se ali um casal. Antes mesmo do casamento, Tomás foi preso. Também militante da emancipação do Brasil, Maria escapou da prisão, mas nunca mais pôde viver ao lado do então noivo.
6. Dessa forma, a primeira parte do livro traz liras que versam sobre o amor de Dirceu (que seria um alter ego de Tomás) por Marília (personagem potencialmente inspirada em Maria) e também o amor de Marília por Dirceu; a segunda parte já fala sobre o desencontro e a saudade. A terceira parte reúne poemas escritos antes de Dirceu conhecer Marília.
7. Apesar da semelhança com os amores da vida real, o livro de Tomás Antônio de Gonzaga é ambientado no interior de Portugal. Dirceu e Marília são pastores de ovelhas e cultivam um amor que adota essa paisagem simples como um elemento importante para que esse amor floresça. Não há objetivo maior que viver ali, juntos, até o fim da vida.
8. A obra é uma das principais expoentes do arcadismo no Brasil. Esse movimento literário surgiu na Europa no século XVIII no vácuo das ideias do iluminismo. Valorizava as paisagens naturais, bucólicas e rurais, e o resgate de temáticas, ideias e referências da Antiguidade Clássica. Já no começo de “Marília de Dirceu”, o autor mostra um vasto repertório de deuses gregos, dentre outros elementos da Grécia Antiga, para que Dirceu se declare para Marília. A propósito, a “Arcádia” era uma província da Grécia Antiga e se tornou uma espécie de paraíso, um ideal para poetas e artistas que acreditavam na relação direta entre a felicidade e a vida em contato com a natureza.
9. O livro “Marília de Dirceu” inspirou o batismo da cidade de Marília, que fica 438 quilômetros a noroeste de São Paulo. O fundador da cidade, Bento de Abreu Sampaio Vidal, tinha lido o livro em uma viagem para a Europa e resolveu nomear o município paulista com uma homenagem à protagonista.
10. Em 1967, os Correios lançaram uma série de seis selos comemorativos em homenagem a grandes mulheres brasileiras. Em meio a heroínas da vida real como Madre Joana Angélica, Rita Lobato, Ana Neri, Darcy Vargas e Anita Garibaldi, havia um selo para uma personagem da ficção: Marília de Dirceu. O selo de 2 centavos foi lançado em 11 de agosto de 1967. Em 1994, Marília de Dirceu voltou a estampar um selo por ocasião dos 250 anos de nascimento de Tomás Antônio Gonzaga, com ilustração da artista plástica Martha Poppe.